O poema "Acordo de noite, muito de noite, no silêncio todo" de Fernando Pessoa é uma meditação poética sobre a experiência de acordar no meio da noite e se deparar com o silêncio e a escuridão, dominados apenas pelo som do relógio na mesa. O poema transmite uma sensação de isolamento e reflexão profunda.

Na primeira estrofe, o eu lírico descreve a experiência de acordar subitamente durante a noite. O relógio, que está em cima de sua mesa, ocupa o centro de sua atenção e parece encher todo o espaço da noite. O mundo exterior, a Natureza, parece inacessível, e o quarto do eu lírico é descrito como escuro, com paredes vagamente brancas.

Na segunda estrofe, o eu lírico observa o silêncio lá fora, como se nada mais existisse além do relógio naquele momento. O relógio continua a fazer seu ruído característico, criando uma sensação de presença inescapável e constante na noite.

A terceira estrofe expressa a perplexidade do eu lírico diante da situação. Ele pondera sobre o significado do relógio e sua presença naquele momento. No entanto, sua reflexão é interrompida quando ele sorri, percebendo que o único significado do relógio é a sensação curiosa de como algo tão pequeno pode preencher e dominar a vastidão da noite. É uma ironia, pois, embora o relógio seja fisicamente pequeno, sua presença se torna imensa na escuridão da noite.

O poema transmite uma sensação de solidão, contemplação e admiração pela forma como um simples objeto, como um relógio, pode dominar a consciência e o espaço durante um momento de vigília noturna. É uma reflexão sobre a relatividade do significado e da presença na vida cotidiana.

 

Acordo de noite subitamente.
E o meu relógio ocupa a noite toda.
Não sinto a Natureza lá fora,
O meu quarto é uma coisa escura com paredes vagamente brancas.
Lá fora há um sossego como se nada existisse.
Só o relógio prossegue o seu ruído.
E esta pequena coisa de engrenagens que está em cima da minha mesa
Abafa toda a existência da terra e do céu...
Quase que me perco a pensar o que isto significa,
Mas estaco, e sinto-me sorrir na noite com os cantos da boca,
Porque a única coisa que o meu relógio simboliza ou significa
É a curiosa sensação de encher a noite enorme
Com a sua pequenez...