3 Poemas Celtas - e o sentimento da Natureza

Uma página de ANTOLOGIA:

Hoje, adopto esta secção "Análise de obras", para deixar as três traduções que se seguem, de três poemas Celtas.

Seria mais apropriado trazê-las a uma página de ANTOLOGIA...

Mas como, aqui no Recanto das Letras, essa categoria não existe, penso que o post de hoje não fugirá ao âmbito abrangido por esta vasta temática da "análise de obras".

*

Sou apaixonada por todas as matérias respeitantes à História e Cultura dos Celtas - o mais remoto antepassado dos povos da Europa:

Há notícias dos primeiros povoados Celtas desde o II milénio antes de Cristo.

Os Celtas pertenciam à extensa família dos povos Indo-europeus. A designação de "Celtas" vem do nome que lhes davam os povos da antiga Grécia: KELTOI. Os Romanos designavam-nos como GAULESES.

Tradições e línguas Celtas ainda são visíveis nos nossos tempos actuais, em regiões do Ocidente da França, como a Bretanha. São também visíveis no País de Gales, e na Escócia, regiões que fazem parte do Reino Unido (em geral referido como Inglaterra). A Irlanda igualmente, mantém tradições e língua da época dos Celtas.

Noto, a propósito, que os remotos antepassados dos Portugueses eram Celtas. Ainda actualmente, no Norte de Portugal, se celebram tradições com raízes nestes nossos antepassados!

Por que me lembrei de transcrever, hoje, poemas destes remotos povos? A razão é muito simples:

Tenho-me deliciado com a emocionante série OUTLANDER, da NEFLIX! Nesta série, a protagonista, em viagem pela Escócia, ao tocar reverentemente um menhir, é magicamente transportada ao século XVII! A uma época em que os Escoceses ainda mantinham as suas tradições e língua, e lutavam por manter a autonomia em relação ao poderoso reino de Inglaterra!

*

As traduções que aqui deixo não são de minha autoria - obviamente.

São todas retiradas de edições da importante editora portuguesa "ASSÍRIO & ALVIM" - com tradução de JOSÉ DOMINGOS MORAIS, a partir da transposição dos idiomas Gaélicos originais para a Língua Inglesa.

Estes três poemas celtas são notáveis pelo seu sentimento da Natureza:

Como é do conhecimento geral, os povos ditos "primitivos" mantinham com a Natureza uma relação íntima, poderíamos dizer "religiosa" - que começou a ser quebrada com o desenvolvimento da "era científica":

Os povos antigos dependiam dos ritmos da Natureza - a Terra-Mãe, a Grande Deusa.

Perpassa esse sentimento de reverência nos três poemas que seleccionei.

*

*

Da colectânea “O Grito do Gamo – Poemas Celtas da Fé e do Sagrado” (2004),

um texto irlandês de autor desconhecido, do séc IX ou X – página 40:

AS COISAS VIVAS

Um dia, Mael Anfaidh viu um passarinho a gemer e a soltar queixumes de muita tristeza.

“Oh Deus”, disse o santo, “que maravilha terá aqui acontecido? Nem mais uma côdea de pão hei-de comer enquanto não souber a razão dos lamentos desta avezinha”.

E ali se quedou o frade até que viu um anjo a caminhar ao seu encontro.

“Pois bem, meu bom frei”, disse o anjo, “vamos pôr fim a essa tua aflição. Mo Lua, o filho de Ocha e um santo homem,

morreu. Por isso se lamentam as coisas vivas, pois nunca ele deu a morte a qualquer grande ou pequena coisa que

tivesse vida. Não há homem algum que saiba e possa lamentar a sua morte de modo mais triste e com mais sentido

pesar do que o fazem os outros seres vivos. E entre estes conta-se a ave pequena e frágil que tu ali vês”.

*

De “A Perfeita Harmonia – Poemas Celtas da Natureza” (2004), este hino à

Primavera, igualmente de autor desconhecido; do séc XII – pág. 27:

A PRIMAVERA

Oh Primavera do meu pais,

Tempo de encanto sereno e límpido

Que dás ao campo as cores do verde

O verde puríssimo da erva nova.

És tu que trazes, oh Primavera,

A força indomável dos ramos jovens

O viço e o verde da fresca folhagem

Da velha tília no arroio debruçada.

És tu que fazes, ó Primavera,

Pular a truta na água do rio

O javali fugir na funda ravina

Pelos caminhos da desolação

O veado erguer-se altivo e só

Na penha mais nobre das fragas altíssimas

Olhando as crias de fulva pelagem

Correr e saltar no prado macio

És tu que fazes, oh Primavera,

Crescer as bagas na ramaria

Pender os frutos nas árvores frondosas

Cintilar os peixes na água do lago,

Bela é a cor, oh Primavera,

Do lírio branco que fazes nascer

E suave o murmúrio, oh Primavera,

Do regato de prata a correr no vale.

*

Finalmente, da colectânea “O Imenso Adeus – Poemas Celtas do Amor” (2004), este poema Gaélico

escocês / Irlandês, do poeta do início do séc XVII, Niall Mór MacMhuirich – pág. 39:

O IMENSO ADEUS

Um longo – imenso – adeus à noite passada!

A noite passada não tem despedida

e todavia, agora ou mais tarde, no tempo se esvai.

Ainda que a forca seja o destino

eu tudo daria para que a noite passada venha de novo

e a noite de hoje apenas seja o tempo de ontem.

E então esta noite seríamos dois a morar nesta casa

senhores de um segredo

que os olhos não podem não sabem não querem esconder.

Ainda que os lábios não esmaguem

nos olhos luz tão intensa luz que o segredo oculto

não mais é segredo.

Os olhos despedem furtivos olhares ou demorados,

secretos sinais

que o silêncio consente guarda e entende.

Que importa o silêncio dos lábios cerrados

se olhos dizem revelam e contam

histórias e contos de escondidos segredos?

Aqueles que trocam e vendem segredos e escândalos,

dos lábios meus não hão-de ouvir uma só palavra.

Oh, lânguidos olhos!

E tu recolhida estás, serena e calma nesse discreto canto,

olha os meus olhos, olha e aprende

os segredos meus que escondem e dizem.

“Nesta noite que passa guarda para nós a noite passada.

E que o tempo futuro para sempre seja como ontem foi.

A manhã não queiras; não a deixes entrar.

Levanta-te e diz-lhe

que o dia não cabe nesta nossa casa, onde só a noite,

a noite passada, tem lugar cativo comigo e contigo.”

Ah! Maria, Mãe e Senhora de todas as Graças!

Tu és Mestra, a Fonte da Água dos Poetas do Mundo!

Toma a minha mão, na Tua a enleia e dá-me o Teu consolo!

Sê o meu amparo!

Vem e ajuda-me e ensina-me a dizer

Um longo – imenso – adeus à noite passada.

*

Espero ter deixado um testemunho do meu apreço e interesse pelo conhecimento sobre os CELTAS.

Além da muita informação existente na Internet, há dois livros que estudei, e que recomendo:

= "O Império Celta" : de Peter Berresford Ellis: tradução portuguesa: editora: Zéfiro, colecção Ventos da História:

Diz este Autor:

" O primeiro milénio da História Celta: 1.000 a.C. – 51 d.C.

O título desta obra deve-se a esta citação de Tácito (56 – 117 d.C.):

«Combatendo divididos, foram totalmente derrotados. Tivessem permanecido inseparáveis, teriam sido insuperáveis.» «Se agora for o triste destino dos Celtas afundarem-se no abismo das civilizações perdidas, então eu tenho esperança que este livro, pelo menos este livro, tenha possibilitado atribuir-lhes o devido lugar na tapeçaria histórica da Europa Antiga.» Os Celtas foram o primeiro povo europeu a norte dos Alpes a emergir nos registos da História."

Este autor é apaixonado pela História dos Celtas. Tem obras de História, mas também romances históricos sobre este tema. Esta obra tem o mérito de nos apaixonar por este tema! Pois além da História política, dá-nos rara informação sobre pormenores da Cultura Celta. Pormenor importante, pois nem todos os autores os referem, uma vez que os Celtas praticavam uma cultura oral: isto é, não deixaram documentos escritos.

= "Os Celtas - Da Idade do Bronze aos nossos dias": de John Haywood:

Tradução portuguesa: Edições 70, novembro de 2018 ‧

John Haywood é um historiador, autor de vários livros sobre os primórdios da história da Europa e é considerado uma autoridade nas civilizações Viking e Celta. Esta sua obra informa-nos não só sobre a História dos Celtas, como sobre o seu prolongamento e participação na formação da futura Inglaterra...

***

E assim, encerro hoje esta página de ANTOLOGIA.

Espero que ela contribua para um bom momento de deleite com a Poesia dos nossos Antepassados!

É muito importante a iniciativa das Editoras que nos trazem estes documentos que preenchem o nosso conhecimento sobre os sentimentos e maneiras de pensar dos Povos Antigos:

Penso que os 'créditos' estão devidamente observados.

Quanto a mim, estive algum tempo ausente do convívio dos leitores do Recanto das Letras, pois tenho tido este tempo de recuperação da operação a que tive que me submeter no passado mês de Abril.

Myriam

6 de Novembro de 2023

Myriam Jubilot de Carvalho
Enviado por Myriam Jubilot de Carvalho em 06/11/2023
Reeditado em 06/11/2023
Código do texto: T7925725
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2023. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.