Ghostwriter
Histórias envolvendo personagens escritores sempre me despertaram fascínio, ainda mais quando o experimento é mais ousado, tendo um literato mobilizado para auxiliar outro ficcionista. Essa premissa, embora no transcorrer narrativo se descubra como básica e altamente banal, foi o que acabou me seduzindo em “Ghostwriter”, de Alessandra Torre. O livro perscruta a atividade desempenhada pelo chamado escritor fantasma, uma tradução literal para expressar o autor mobilizado para produzir um texto, em suma, a ser posteriormente assinado por outra pessoa, com a cessão dos direitos autorais fazendo parte do acordo firmado.
As noções, concernentes à atuação de um Ghostwriter, acabam sendo muito pouco ou nada relevantes para a concepção da história, apesar do título previamente indicar o contrário. Helena Ross é uma notável escritora, daquelas sumidades do mundo das letras com dezenas de best-sellers estampados no currículo. As cartas logo são postas à mesa. A protagonista padece de uma enfermidade inelutável e seus dias representam uma contagem regressiva. Sendo impossível se desvencilhar da morte, Helena quer dedicar seus últimos dias para penejar sua obra derradeira. Vendo as forças se exaurirem e temendo não dar conta da árdua tarefa, a única saída é recorrer aos serviços de um Ghostwriter e a pessoa perfeita é ninguém menos que um antigo desafeto, com quem precisará compartilhar os seus mais íntimos segredos.
Se em um primeiro momento o leitor é invadido pela vontade de transcender os muros que separam trama/vida real para esganar a esnobe Helena com requintes de crueldade, no transcorrer do romance a protagonista nada gostável passa a ser mais bem compreendida, assim como as suas perversas ações acabam se tornando um tanto justificáveis. O leitor então anseia por aproveitar o exíguo tempo que possuem juntos para tentar decifrar os muitos segredos suprimidos por uma personagem com tempero altamente amargo, mas padecendo de uma culpa sufocante.
Uma obra surpreendente, com enredo forjado no ódio e sofrimento, repleta de detalhes que torna a experiência cada segundo muito mais instigante. “Ghostwriter” carrega escrita incitadora, um conteúdo fértil para mentes delirantes esbanjarem poder em dar asas à imaginação. Se por acaso, perante alguns leitores, a trama se mostrar um tanto previsível, diante da sucessão de eventos narrados, sem dúvidas ao menos deverá despertar sentimentos avassalantes.
Embora certo suspense ladeie as figuras dramáticas, o livro é erroneamente vendido como um thriller, funcionando muito mais como um drama excelso. "Ghostwriter" dedica várias passagens a esboçar o processo criativo, aliado ao trabalho de estruturação da narrativa. Esse aspecto pode não fazer expressiva diferença para o leitor em geral, mas aparece como uma dádiva inspiradora para os postulantes a engenheiros das palavras.
Por fim, com uma carga dramática acentuada, a narrativa durante seu desenrolar trata de diversas questões que variam desde incerteza, arrependimento, mostrando como as ações do mundo podem decorrer de maneira inesperada. Também trata de redenção, com direto ao enternecedor recebimento de um tardio reconhecimento.