"Poema Em Linha Reta" de Fernando Pessoa explora profundamente a natureza humana, as imperfeições individuais e a busca pela autenticidade. O poema começa com uma declaração paradoxal, na qual o poeta afirma que nunca conheceu alguém que tenha sido derrotado ou fracassado. No entanto, ele próprio reconhece suas falhas, fraquezas e momentos de indignidade. Isso cria uma tensão inicial que permeia todo o poema, questionando a imagem idealizada que as pessoas têm de si mesmas.
Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.
E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo,
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cómico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado,
Para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.
O poeta se questiona e se critica abertamente ao longo do poema. Ele admite ser "reles", "porco", "vil" e "parasita". Essa autorreflexão é um convite à autoavaliação e à honestidade consigo mesmo, sugerindo que todos têm momentos de fraqueza e imperfeição.
O poeta se sente isolado em sua autocrítica, já que parece não encontrar ninguém que admita suas próprias fraquezas. Ele anseia por ouvir "a voz humana" de alguém que confesse uma "cobardia" ou "infâmia", buscando uma conexão genuína e humana através da compartilha de experiências de imperfeição.
Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um acto ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe — todos eles príncipes — na vida…
Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó príncipes, meus irmãos,
A obra critica a tendência das pessoas em idealizar os outros, vendo-os como "príncipes" ou modelos de virtude, quando na realidade todos têm suas fraquezas e lapsos de caráter. Isso ressalta a artificialidade da imagem que muitas vezes projetamos de nós mesmos e dos outros.
Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?
Então sou só eu que é vil e erróneo nesta terra?
Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traídos — mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que tenho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.
Pessoa anseia por uma humanidade mais genuína, na qual as pessoas não escondam suas imperfeições, mas as reconheçam e as compartilhem. Ele se cansa dos "semideuses" e deseja encontrar pessoas reais, dispostas a serem verdadeiras consigo mesmas.
O "Poema Em Linha Reta" de Fernando Pessoa é uma reflexão poética profunda sobre a natureza humana, a imperfeição e a busca pela autenticidade. Ele desafia a ideia de que alguém é perfeito e convida os leitores a aceitar suas próprias falhas e a reconhecer a humanidade nos outros, em vez de idealizá-los. É um poema que ressoa com muitos, pois todos enfrentam momentos de fraqueza e imperfeição em suas vidas.