"Sempre a Razão vencida foi de Amor;

Mas, porque assim o pedia o coração,

Quis Amor ser vencido da Razão.

Ora que caso pode haver maior!

 

Novo modo de morte e nova dor!

Estranheza de grande admiração,

Que perde suas forças a afeição,

Por que não perca a pena o seu rigor.

 

Pois nunca houve fraqueza no querer,

Mas antes muito mais se esforça assim

Um contrário com outro por vencer.

 

Mas a Razão, que a luta vence, enfim,

Não creio que é Razão;

mas há-de ser Inclinação que eu tenho contra mim.

 

ANÁLISE 

No poema de Camões, somos transportados para o campo de batalha entre a Razão e o Amor, uma luta eterna e emocionalmente carregada que tem lugar no coração humano. O poeta nos lembra que, frequentemente, é o Amor que prevalece sobre a Razão, pois o coração humano muitas vezes anseia por sentimentos apaixonados e irracionais.

 

A inversão do esperado acontece quando o Amor decide permitir que a Razão prevaleça, uma escolha incomum e surpreendente. Camões nos apresenta essa reviravolta como algo notável, uma "estranheza de grande admiração". A ideia de que o Amor deseja ser derrotado pela Razão é descrita como um "novo modo de morte e nova dor", sugerindo que essa escolha representa uma experiência emocional única e desafiadora.

O poema também destaca a dualidade da natureza humana, onde a afeição pode ser superada pela pena, e o desejo pode ser derrotado pela racionalidade. A luta entre o Amor e a Razão é representada como uma batalha de forças igualmente poderosas, onde o vencedor não é necessariamente o mais forte, mas sim aquele que deseja ser vencido.

 

No final, o poeta sugere que a vitória da Razão pode não ser verdadeira Razão, mas sim uma inclinação interna que ele mesmo possui, como se a Razão fosse apenas uma desculpa para acalmar essa inclinação. Isso nos leva a refletir sobre a complexidade das emoções humanas e como, muitas vezes, somos levados por desejos que vão além da lógica e da razão.

 

Assim, o poema de Camões nos convida a explorar a batalha constante entre o Amor e a Razão em nossas próprias vidas, destacando a natureza paradoxal e imprevisível do coração humano.