A Sociedade Literária e a Torta de Casca de Batata
A maioria das pessoas já deve ter ouvido falar das chamadas “leituras coletivas ou colaborativas”. A premissa é baseada em um grupo (às vezes formado por estudantes), mobilizado em esmiuçar um determinado texto e, posteriormente, cada elemento irá expor suas impressões, suscitando o debate. A atividade rompeu os limites do espaço físico com o advento da tecnologia, mas se engana quem pensa ser uma prática contemporânea, pois o universo dos grupos de leitura é uma atividade bem antiga, conforme demonstrado pelo livro “A Sociedade Literária e a Torta de Casca de Batata”, escrito por Mary Ann Shaffer em parceria com sua sobrinha Annie Barrows.
Além de trazer um pouco do universo atrelado aos grêmios formados para os fins literários, o romance publicado em 2007, retratando a conflituosa década de 40, também evoca vorazmente todo o prazer propiciado pela literatura enquanto demonstração artística e inesgotável fonte para gênesis de envolventes enredos. Com sua trama construída por meio de cartas correspondidas entre os personagens, “A Sociedade Literária e a Torta de Casca de Batata” sem precisar emprestar profundo esforço, desponta como uma leitura inteiramente instrutiva, apinhada de passagens deveras aprazíveis, sem abdicar de uma pitada de emoção.
No ensaio de seus primeiros passos, a narrativa estampa a jornada da escritora Juliet Ashton em meio à sua desenfreada busca por encontrar o tema de seu próximo romance. A história vai tomando conotação mais emocionante à medida que a ambientação vai se concentrando na Ilha de Guernsey e como os moradores tiveram de lidar com os traumáticos eventos da 2ª Guerra Mundial. As cartas são sempre seguidas de revelações inesperadas, como o momento em que é esclarecida a maneira inusitada que envolve a formação da chamada A Sociedade Literária e a Torta de Casca de Batata de Guernsey.
O livro, de maneira enfática e sem abrir mão de despertar uma invulgar sensibilidade, dá voz as figuras dramáticas ainda em abalo pelos efeitos da guerra e como essas ações incidiram no cotidiano da comunidade. Tendo em vista esse fenômeno, rechaça qualquer cautela em traçar a relevância da literatura, seja como ferramenta para o escapismo, na oportunidade de abortar a realidade perniciosa, como assume o protagonismo de fonte para construir canais de aglutinação humana.
“A Sociedade Literária e a Torta de Casca de Batata” possibilita uma leitura lépida, uma atrativa incursão, singrando em águas calmas pelas cerca de 300 páginas. Esse seja talvez o grande trabalho da vida da saudosa autora norte-americana Mary Ann, gestado após muito empenho e árdua pesquisa, aliado a toda a experiência adquirida durante os longos anos em que vivenciou o fenômeno literário atuando como bibliotecária, livreira e editora.
Por infortúnio, no espaço de tempo entre a revisão final do texto para publicação e alterações sugeridas por seu editor, Mary Ann foi diagnosticada com uma grave doença. Antes de padecer pela enfermidade, a sobrinha Annie Barrows, autora de livros infantis, recebeu a incumbência de concluir a obra para a posterior lançamento, ocorrido meses antes de seu falecimento, em fevereiro de 2008.
Em suma, a trama - que recebeu adaptação homônima da Netflix, em 2018, dirigida pelo cineasta Mike Newell e protagonizada pela ótima Lily James - pode ser definida como uma história que enaltece o valor da amizade, da liberdade, abordando alguns mistérios e até paixões proibidas, além de oferecer uma crítica aos malefícios proporcionados pelo nazismo. Também aparece como prato cheio para os amantes de literatura, esbanjando poder em fazer o leitor se sentir atraído pelos clubes de leitura, uma prática bastante difundida na atualidade.