DOIDINHO, POR ITABAIANA (Escritos de José Lins do Rego sobre a bonita cidade de Itabaiana-PB)
É com muito prazer com que venho apresentar esta coletânea de textos que selecionei dos romances, Menino de Engenho, Doidinho e Fogo Morto, de autoria do grande escritor pilarense José Lins do Rego, que confirmam, além do registro histórico, a admiração que ele tinha pela bonita cidade de Itabaiana, aonde ele iniciou seus estudos e teve seu primeiro contato com a literatura escrita, arte que lhe consagraria como um dos maiores romancistas brasileiro do século XX.
Para iniciarmos, quero destacar o que José Lins escreveu na última página de seu primeiro romance Menino de Engenho, publicado em 1932, talvez como um prelúdio de seu segundo romance Doidinho, como seu personagem principal Carlos de Melo, sobre sua expectativa de embarcar na nova experiência de se tornar um aluno do Internato Nossa Senhora do Carmo, em Itabaiana, dirigido pelo rigoroso professor Maciel.
“Eu não sabia nada. Levava para o colégio um corpo sacudido pelas paixões de homem feito e uma alma mais velha do que o meu corpo. Aquele Sérgio, de Raul Pompéia, entrava no internato de cabelos grandes e com uma alma de anjo cheirando a virgindade. Eu não: era sabendo de tudo, era adiantado nos anos, que ia atravessar as portas do meu colégio.
Menino perdido, menino de engenho.” (José Lins do Rego)
E já na primeira página de seu segundo romance, Doidinho, ao receber seu novo aluno em sua instituição de ensino, o professor Maciel garante categoricamente a eficiência dos métodos de ensino de sua escola:
“— Pode deixar o menino sem cuidados. Aqui eles endireitam, saem feitos gente — dizia um velho alto e magro para o meu tio Juca, que me levara para o colégio de Itabaiana.” (José Lins do Rego)
Não foi a toa que aquele internato se tornara uma referência na região como uma escola extremamente rigorosa.
“O colégio de Itabaiana criara fama pelo seu rigorismo. Era uma espécie de último recurso para meninos sem jeito.” (José Lins do Rego)
A partir daí, segue-se o relato de algum trechos que revelam a influência impactante do novo ambiente sobre a vida do personagem Carlos de Melo, agora apelidado de Doidinho, na encantadora cidade de Itabaiana.
“Fazia um mês que eu chegara ao colégio. Um mês de um duro aprendizado que me custara suores frios. Tinha também ganho o meu apelido: chamavam-me de Doidinho. O meu nervoso, a minha impaciência mórbida de não parar em um meus choros inexplicáveis, me batizaram assim pela segunda vez. Só me chamavam de Doidinho.”
“Pela primeira vez eu via a cidade, a Rua do Comércio cheia de gente na feira, o jardinzinho na Praça da estação e o hotel que ficava junto do Mercado. Era uma coisa grandiosa a feira de Itabaiana. Nunca vira tanto povo junto, num reboliço de festa, nessa confusão, nesse falazar dos que vendem e trocam. Havia de tudo: o lado do queijo, da carne de sol, do açúcar bruto, do açúcar purgado, do feijão, ruas inteiras de géneros, gente falando alto, cheiro de bacalhau, de peixe em salmoura, de frutas passadas.” (José Lins do Rego)
“E começaram a contar histórias da feira. Um havia almoçado no hotel com o pai. E davam notícias: “vão botar luz elétrica em Itabaiana”; “Chegou um circo para o pátio da cadeia”. E tinham ido à estação, aos Altos Currais, ao bilhar do Comércio, andado de bicicleta. Tudo isto me fazia esquecer a dura realidade do colégio do seu Maciel.” (José Lins do Rego)
Na sequência, quero transcrever alguns registros onde o grande romancista regionalista (e universal) José Lins do Rego faz menção à natureza, ao comércio, ao trem, aos costumes do povo simples e à tradição da Rainha do Vale do Paraíba, a bonita cidade de Itabaiana.
“E o dia todo no colégio foi de uma paz de armistício. À tarde nos levaram a passear nos arredores da cidade. Passamos pela rua da Lama, a rua das mulheres à toa, sem olhar para as janelas das casas. Fomos até o triângulo, lugar de entroncamento dos trens, espécie de oficina para as máquinas que faziam os horários de Campina Grande.” (José Lins do Rego)
“O meu avô não estava em Itabaiana para negociar, para vender nem trocar. Viera me ver.” (José Lins do Rego)
“Os pais dos outros traziam os filhos para a feira, mas não era por estes que estavam em Itabaiana. O velho Zé Paulino não. Tivera saudades do neto. Recebera uma carta falando do colégio, e tomara o trem para ver o que se passava. Eu era o menino mais feliz, naquele momento.” (José Lins do Rego)
“— A cheia vem em Itabaiana — gritavam, na enchente. Era por ali que quando o Paraíba passava roncando, dava notícias. E nas águas barrentas do rio lavava as minhas mágoas de colegial. Dormíamos aos sábados sonhando com o banho, que era mesmo o nosso único recreio dos sete dias de trabalhos forçados.” (José Lins do Rego)
“O rio passava a um passo atrás do colégio. Fazíamos, porém, o passeio até o poço do Maracaípe. Pintava-se o diabo nessas viagens.” (José Lins do Rego)
“O trem corria para Itabaiana. O bueiro do engenho sumia-se de longe. Mas acordava: estava ainda no colégio.”
(José Lins do Rego)
“Fui para o trem de Itabaiana com a agonia de quem se despedisse do mundo. Na estação, ouvia a conversa da gente:
— Este menino vai para o colégio, seu Zé?
— Está lá desde o começo do ano — respondia o meu pajem, orgulhoso dos meus estudos.
— O professor Maciel é um danado.”
(José Lins do Rego)
“Lá estava o cemitério pequeno, que nem tinha lugar para ninguém. O poço de Maracaípe, onde tomávamos banho com seu Coelho. As últimas casas de Itabaiana, e o rio correndo com o trem para o Santa Rosa.” (José Lins do Rego)
“José Ludovina ainda me levou pela cidade antes de me deixar no colégio. Rodamos pelas lojas nas compras. Como desejava que aquele tempo não se acabasse mais. E com passos miúdos cheguei ao cárcere.” (José Lins do Rego)
“Era num fim de tarde de cidadezinha do interior. Lá estavam as famílias pelas calçadas. O piano do dr. Bidu repetindo as mesmas notas da lição. A Igreja do Carmo, toda branca e pequena, bem humilde, olhando para a torre grande da Matriz.” (José Lins do Rego)
“Parecia-me que o padre de Itabaiana aumentava as coisas.” (José Lins do Rego)
“A bondade do velho Zé Paulino me tirava o medo do inferno do padre de Itabaiana.” (José Lins do Rego)
“O colégio vivia agora sob as impressões do cinema: tinham botado um cinema em Itabaiana. Às terças e aos domingos pagava cada um quinhentos réis para o espetáculo da noite. Invenção maravilhosa esta, que nos ajudava a levar o tempo, a furar os meses com o pensamento nas fitas.” (José Lins do Rego)
“Levaram também em Itabaiana a Vida, paixão e morte de Nosso Senhor Jesus Cristo. Um Cristo muito barbado e um Judas feio demais. Não me fez o efeito que eu esperava, o desenrolar do drama maior de todos. Havia muita pedra de mentira no Horto das Oliveiras, muitos montes que a gente via que não eram montes. Não me comovi com a malvadeza dos judeus. Tudo malfeito, sem realidade. Muito mais humana era a história contada de sinhá Totonha.” (José Lins do Rego)
“O sargento me ameaçava:
— O senhor não pode formar no dia 7.
Já experimentara minha farda no alfaiate Ferreirinha. Com um bocado de esforço talvez que vencesse essa incapacidade. Os meus cálculos me ensinavam regras de nova vida. Havia de modificar-me. E ia para a formatura com estes pensamentos. Tocava a corneta. O tambor rufava. Saía andando o batalhão pelas ruas de Itabaiana. Bem defronte da igreja parava para os exercícios.” (José Lins do Rego)
“Falava-se que a música de Itabaiana não se comparava com a de Timbaúba.” (José Lins do Rego)
“A corneta estalava na porta do colégio. Os gritos de comando cresciam na pacatez das tardes de Itabaiana.”
(José Lins do Rego)
“Passava no trem, por Itabaiana, o batalhão da Paraíba que seguia para a revolução do Recife. O trem demorou na estação e o corneteiro aproveitou o momento para entristecer a cidadezinha morta de sono. Era uma dor funda o que exprimia aquela corneta que ia para a guerra. O trem apitou e nada mais triste do que um apito de trem assim de noite, de longe.” (José Lins do Rego)
Em entrevista concedida ao jornal Tribuna da Imprensa, em 1957, ano da sua morte, José Lins do Rego fala sobre a sua formação de romancista.
“Duas coisas fundamentais constituíram minha formação de romancista: a velha Totônia e Os doze pares de França, livro de cavalaria que li no Instituto Nacional do Carmo (em Itabaiana), quando tinha dez anos. Foi este o primeiro livro que li.”
Já no romance Fogo morto, considerado sua obra prima, José Lins registra uma fala do personagem José Amaro que traduz a sua admiração pelo comércio da próspera cidade de Itabaiana.
“Ninguém dá valor a oficial de beira de estrada. Se estivesse em Itabaiana estava rico. Não é lastimar, não. Ninguém manda no mestre José Amaro.” (José Lins do Rego / em Fogo Morto)
Itabaiana se destacou muito tempo através de sua famosa feira de gado, sendo uma das maiores e mais tradicionais de todo Nordeste.
“Vinha do Pilar a boiada da feira de Itabaiana. Na frente o guia Cabrinha tocava uma gaita de taboca, numa tristeza de cortar coração. Atrás vinham as reses que desciam para a matança da Paraíba.” (José Lins do Rego / em Fogo Morto)
“— É um animal de primeira ordem. Apanhei na feira de Itabaiana. Um cigano pensou que me enganava. Dei-lhe a minha égua e ele em troca passou-me esta burra. Tem baixo, e é animal de fôlego duro. Não troco por muito cavalo que anda por aí com fama de bom.” (José Lins do Rego / em Fogo Morto)
A prosperidade de Itabaiana saltava aos olhos de Zé Lins. A administração pública do início do século XX encantava o escritor pilarense.
“A vila do Pilar teria calçamento, cemitério novo, jardim, tudo que Itabaiana tinha com o novo prefeito.” (José Lins do Rego / em Fogo Morto)
Espero que tenham gostado deste singelo passeio através de alguns trechos da obra desse fabuloso escritor (meu conterrâneo) que traduziu, de forma objetiva, majestosa e poética, o cotidiano do povo nordestino e o quanto ele realmente era doidinho por Itabaiana, e apaixonado pela vida rural do engenho de seu avô.
JOSÉ LINS DO REGO ENCANTOU-SE COM A POESIA DO POETA ITABAIANENSE ZÉ DA LUZ
Zé da Luz foi ao encontro do já renomado escritor José Lins do Rego para pedir ao neto do senhor de engenho um prefácio para seu livro Brasil Caboclo. E Zé Lins, encantado pela poesia matuta do poeta itabaianense, escreveu:
“Pediu-me Zé da Luz um prefácio para o seu livro de versos. E eu lhe disse: Meu caro poeta, você não precisa de prefácios, porque a sua poesia fala com mais autoridade que qualquer palavra de apresentação. Que autoridade terei para dar carta de fiança a quem possui os melhores tesouros deste mundo? Ora, Zé da Luz, você vale pelo que é, e não pelo que se possa dizer de você.
O livro que você me deu para ler, li-o de uma vez só, eu que sou mais impaciente que um azougue, que tenho a atenção tão frágil para as coisas, que só paro quando, de fato, vence-me uma grandeza real. Li-o de um golpe, até alta hora da noite, e posso dizer que, lendo-o, era como se estivesse na nossa terra, no convívio da nossa gente, a escutar o falar arrastado do povo, dos erres comidos, nos eles sem fôrça. Mas falar que me ligava à infância, aos tempos de menino de engenho, às conversas de eito, aos dias de festa, aos cantadores do sertão, aos mestres da viola, às histórias de valentes, aos romances de amor puro como as flores das caatingas, no inverno. E de tanto ler o seu livro e de tanto gostar dos seus versos, meu caro poeta dos vaqueiros, dos carros de boi, das noites, das chuvas, das dores do povo, me senti outra vez paraibano, mais filho do Pilar, das várzeas de cana, dos cantos dos nossos canários amarelos e dos galos de campina de cabeça encarnada. Tôda a Paraíba está na sua poesia, meu caro poeta. E se você tem esta fôrça para poder cantar a nossa terra, como canta, para que prefácios?
Que prefácios pediriam às patativas de Mamanguape, aos curiós de Gramame, às cigarras de Areia?
Que cantem você e os pássaros, poeta, da minha amada Paraíba, é tudo o que mais quer o seu maior admirador.”