A MULHER SEM PECADO

Primeiro texto escrito por Nelson Rodrigues, "A Mulher sem Pecado" é uma peça que se divide em três atos, tem uma narrativa linear, cenário único (espaço cênico com cortinas acinzentadas ao fundo), duração que não ultrapassa um dia e ação una. Apesar de escrita em 1941, sua montagem ocorreu no mês de dezembro do ano seguinte, no Teatro Carlos Gomes (Rio de Janeiro), mas não chamou muita atenção na época.

A trama de "A Mulher sem Pecado" apresenta Olegário, que vive preso a uma cadeira de rodas. Ele é marido de Lídia, mulher pela qual demonstra um ciúme patológico. Na tentativa de controlar os passos da mulher, usa o motorista Umberto e a empregada Inézia como espiões. Na residência do casal, vivem a mãe de Olegário, que é Dona Aninha, e o irmão de criação de Lídia. Cansada das atitudes ciumentas do marido, Lídia acaba fugindo com o motorista. Então, descobre-se que, na verdade, a paralisia de Olegário era puro fingimento, uma ferramenta mórbida para testar a fidelidade de Lídia. Justamente quando o marido toma ciência da total fidelidade da esposa é que ela se dispõe a traí-lo.

Lídia é a segunda esposa de Olegário, pois a primeira faleceu em uma época indeterminada. Atormentado por seus pensamentos, o marido acusa o destino por ter amaldiçoado sua vida. Maurício, irmão de criação de Lídia, é um dos personagens que mais incomoda Olegário, que o acusa de relação incestuosa com Lídia. A peça "A Mulher sem Pecado" pode ser considerada uma tragédia e uma tragicomédia. Isso ocorre devido a quatro critérios nos quais se encaixa: ambiguidade dos personagens, mistura de linguagem popular com linguagem realçada, ausência de uma catástrofe e combinação de personagens que pertencem às camadas populares (Inézia e Umberto) com membros da aristocracia (Lídia e Olegário).

De acordo com Sábato Magaldi, crítico teatral, “a matéria de A Mulher sem Pecado, como se vê, não se constitui de especial transcendência, está-se próximo do fait divers, do quase anedótico. Uma das numerosas histórias com que Nelson nutriria, mais tarde, a coluna diária da imprensa, sob o título de ‘A Vida como Ela É’”.

A tragédia "A Mulher sem Pecado" é de fundo absolutamente psicológico: Olegário consegue poluir a cabeça da mulher com fantasias sexuais e luxúria, Lídia é acusada, pelos muitos que a vigiam, de ter sido namoradeira na época em que não era casada. Ela é a segunda esposa de Olegário. A primeira esposa morreu em uma época que não se sabe exatamente quando foi. Olegário é um homem atormentado pelos seus sentimentos, ele acusa o destino de ter sido cruel com ele, e de ter "amaldiçoado" sua vida, pois os parentes de sua mulher o incomodam, em especial Maurício, irmão de criação de Lídia, o qual Olegário acusa ter um caso incestuoso com a mulher.

Caracteriza-se essa peça como tragédia, mas poderia ser inserida no ramo do tragicômico, que responde a quatro critérios:

As personagens pertencem às camadas populares, como Inézia e Umberto, que são exemplos dessa classe; e aristocráticas, pois embora, Olegário e Lídia não sejam membros da realeza ou extremamente ricos, Olegário goza de um certo prestígio social e vive em um padrão confortável de vida, típica da classe média.

A ação, séria e até mesmo dramática, não desemboca numa catástrofe e o herói não perece, pois Olegário não morre e Lídia também não perece.

O estilo conhece "altos e baixos": linguagem realçada e enfática da tragédia e níveis de linguagem cotidiana ou vulgar da comédia.

As peças trágicas são muito ambíguas, e há muitos exemplos nesta peça. Como os personagens pouco têm ação diante do destino, descobre-se no decorrer da peça que Lídia não era tão inocente assim, ou talvez fosse, se Olegário não plantasse nela a todo instante a semente da dúvida. Olegário a todo instante se rebaixa diante de Lídia, chamando a si próprio de inválido e alertando a mulher de que existem rapazes mais interessantes que ele

Ao final da peça, fica a seguinte dúvida: Olegário conseguiria ter mantido seu casamento com Lídia caso não inventasse a doença? O autor deixa a questão no ar, sendo que apenas nos pensamentos de Lídia são revelados os dias de relacionamento estável do casal. Olegário acaba sendo duplamente punido, primeiramente por perder Lídia para um empregado e, segundo, por ficar com a culpa moral de ter implantado vários pensamentos pecaminosos na cabeça da mulher.

A peça de Nelson Rodrigues representa uma visão profundamente pessimista e crítica da sociedade e das relações humanas. O autor expõe as paixões humanas de forma intensa e provocativa, questionando conceitos tradicionais de moralidade e explorando a complexidade dos desejos e impulsos humanos. "A Mulher sem Pecado" também aborda o tema do incesto de maneira ousada para a época, levantando questões sobre os limites morais e os tabus sociais. A obra desafia as convenções da sociedade e expõe as hipocrisias que cercam a vida familiar e as relações íntimas. No contexto do teatro brasileiro, "A mulher sem Pecado" foi uma obra revolucionária, apresentando um novo estilo de dramaturgia e rompendo com as convenções teatrais tradicionais. A peça de Nelson Rodrigues é reconhecida por sua linguagem poética e suas reflexões profundas sobre a natureza humana.

Em resumo, "A mulher sem Pecado" de Nelson Rodrigues representa uma crítica mordaz à sociedade e suas convenções morais, explorando os conflitos e paixões humanas de forma provocativa e intensa. A obra desafia tabus e questiona o que é considerado "pecado" na sociedade, abrindo espaço para reflexões sobre moralidade, desejos reprimidos e a complexidade dos relacionamentos humanos.

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Ronald Sá, é ator, dramaturgo, diretor e professor de teatro. Tem mais de 30 textos teatrais escritos, tanto infantil e adulto. Mora em São Luís do Maranhão. Começou a se interessar pelas letras desde criança. Formado em Artes Cênicas, tem um grupo de teatro na periferia da cidade maranhense, o Núcleo de Produção Teoria das Artes, no Anjo da Guarda, bairro cultural, celeiro de vários artistas. Atuou, escreveu e dirigiu 26 espetáculos. No momento, escreve sua primeira série e e seu primeiro livro sobre o mundo teatral.

Ronald Sá
Enviado por Ronald Sá em 15/05/2023
Reeditado em 15/05/2023
Código do texto: T7789014
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