AS MULHERES EM "O PRIMO BASÍLIO", DE EÇA DE QUEIRÓS
Por Marcela Borges Sant'Anna
1 INTRODUÇÃO
O trabalho tem por objetivo, principalmente, abordar o aspecto feminino da obra de Eça de Queirós intitulada O primo Basílio publicada em 1878. É um romance do Realismo português que representa uma crítica ao casamento e ao comportamento burguês. De acordo com Massaud Moisés (2008, p. 265), Luísa, uma jovem e bela mulher que vive com Jorge em um lar burguês aparentemente sólido e feliz que, paulatinamente, se modifica com a chegada do sedutor, primo Basílio, compondo, assim, uma adúltera relação banal e efêmera. Ora, certamente causou grande repercussão na burguesia lisboeta uma vez que foi propositadamente atacada pelo autor, justamente por expor explicitamente uma relação tríade amorosa, sendo o tema central da história.
Inicialmente, farei um levantamento das mulheres e suas respectivas características: físicas, emocionais e psicológicas, também, sociológicas, visto que cada personagem representa uma classe da sociedade portuguesa. Ademais, de todas essas, apresentarei apenas as principais senhoras do romance com mais verbosidade, também, a real distinção entre essas mulheres através do texto e, finalmente, descreverei brevemente como o poeta apresenta suas personagens femininas nesta obra.
2 AS MULHERES
A primeira mulher que surge é Luísa, uma jovem mulher de apenas vinte e cinco anos de idade e casada com Jorge em uma união por conveniência, é considerada uma heroína sonhadora, fútil, pueril, superficial, insegura e facilmente enganada por seu primo Basílio que a seduz indubitavelmente. Essa jovem apresenta-se como apática e preguiçosa, sempre com seu roupão deitada na Voltaire, muito ociosa, pois não precisava trabalhar:
Tornou a espreguiçar-se. E saltando na ponta do pé descalço, foi buscar ao aparador por detrás de uma compota um livro um pouco enxovalhado, veio apresentar-se na voltaire, quase deitada, e, como o gesto acariciador e amoroso dos dedos sobre a orelha, começou a ler, toda interessada. (QUEIRÓS, 2006, p.16).
Luísa se sentia como as heroínas dos romances que lia, um desses era a Dama das Camélias, de Alexandre Dumas Filho do romance francês cuja aventura é conhecida como bovarismo :
Era a Dama das Camélias. Lia muitos romances. Tinha uma assinatura, na Baixa, ao mês. Em solteira, aos dezoito anos entusiasmara-se por Walter Scott e pela Escócia; desejava então viver numa daqueles castelos escoceses, que tem sobre as ogivas os brasões do clã, mobilados com arca góticas e troféus de armas, forrados de largas tapeçarias, onde estão bordadas legendas heroicas, que o vento do lago agita e faz vive; e amara Ervandalo, Morton e Ivanhoé, ternos e graves, tenho sobre o gorro a pena de águia, presa ao lado pelo cardo de Escócia de esmeraldas e diamantes. (QUEIRÓS, 2006, p. 16).
Assim, em meio às fantasias que os romances lhe produziam, incitavam-na a curiosidade e o desejo ardente de se envolver profundamente com Basílio, um desejo atrevido de possuir um amante somente que, por meio de uma aguda fragilidade, entregou-se. Decidiram, contudo, encontrar-se numa casa que os chamavam de paraíso.
Outra personagem é Juliana, empregada de Luísa, esta apresenta uma complexidade psicológica, porquanto é uma jovem que representa o lado obscuro do ser, também, considerada a encarnação da maldade, pois é extremamente manipulada pela sua tia Vitória que a incentiva a utilizar as secretas cartas apaixonadas, cartas essas que Luísa escreveu para Basílio, utilizando-as a seu favor. Juliana mostra-se completamente chantagista para a consecução dos seus objetivos iniciais: seis contos de réis para se safar do trabalho e garantir seu futuro na ociosidade, mas, tais objetivos mudaram-se de propósito, mas juntamente com os seis contos, pois se contentou com presentes de Luíza, que são as roupas, as botinas e até adquirir melhores condições na casa: quarto novo, colchão macio, tapete felpudo, ambiente tranquilo e arejado, bastante distinto de onde repousava antes com os percevejos. Em alguns momentos Juliana apresentava-se com temperamento bipolar, pois, ora muitas vezes mantinha tranquilamente um diálogo com Luísa para negociar as cartas, ora explodia nervosamente pela demora do pagamento. Entretanto, essa jovem tinha uma saúde bastante debilitada, ela sofria de síncope , além do mais, Juliana possui um destino completamente sofredor no romance:
Julião tranquilizou-os logo; era uma síncope, simples. Transportavam-na para a cama. Julião fez-lhe esfregar violentamente com uma flanela quente as extremidades – e, mesmo antes que Joana atarantada, em cabelo, corresse a botina por um antiespasmódico, Juliana voltava a si, muito fraca. (QUEIRÓS, 2006, p. 266).
Leopoldina, amiga de Luísa é a representação da porção má da mulher como o próprio nome sugere. Além de possuir vários amantes, tinha vinte e sete anos de idade, esta é independente, forte e trabalhadora, podendo ser comparada a personagem de Rita baiana, de O Cortiço, de Aluísio Azevedo, exatamente pela independência, pela força e promiscuidade de uma vida adúltera da personagem. Essa senhora comumente visitava Luísa narrando suas histórias, seus amantes. Leopoldina era uma mulher formosa, seguia os padrões da moda, era, contudo, uma mulher mais bem feita da cidade de Lisboa. Porém, em certo momento desesperador de Luísa em adquirir rapidamente a quantia para se livrar de Juliana, procurou logo dona Leopoldina, mas esta a sugeriu que Luísa pedisse ajuda ao senhor Castro, pois este tinha uma admiração por Luísa, caso esta cedesse algumas carícias e beijos, sugestão implícita por sua amiga.
Já a D. Felicidade com seus cinquenta anos de idade, representa a figura materna, tem um bom coração e parece gostar imensamente de Luísa. Essa senhora apresenta formas arredondadas e não usufrui tanto da moda como Luísa e dona Leopoldina. Dona Felicidade, também, sofria de dispepsia e flatulências. Ela possuía uma admiração generosa e calorosa pelo Conselheiro Acácio como em uma noite na Ópera acompanhada de Luísa:
Luísa então viu D. Felicidade perturbar-se; e seguindo o seu olhar negro, subitamente avivado, descobriu na geral a calva polida do Conselheiro Acácio que cumprimentava, prometendo generosamente, com a mão espalmada, a sua visita próxima. Veio, apenas o pano desceu, e felicitou-as imediatamente por terem escolhido aquela noite: a ópera era das melhores e estava gente muito fina. Lamentou ter perdido o primeiro ato; ainda que não gostasse extremamente da música, apreciava-o por ser muito filósofo. E, tomando da mão de Luísa o binóculo, explicou os camarotes, disse os títulos, citou as herdeiras ricas, nomeou os deputados, apontou os literatos. – Ah! Conhecia bem São Carlos! Havia dezoito anos! D. Felicidade, rubra, admirava-o. (QUEIRÓS, 2006, p. 295).
Tia Vitória era a tia de Juliana que guardara as malditas cartas e quem influenciava para que Juliana chantageasse Luísa na obtenção do lucro desejado:
A tia Vitória, então, disse muito seriamente a Juliana: _ Bem; agora tens a faca e o queijo! Com isso já podes falar do alto. E esperar a ocasião. Muito bons modos, cara prazenteira, sorrisos a fartar para ela não desconfiar, e o olho alerta. Tens o rato seguro, deixa-o dar o rabo! (QUEIRÓS, 2006, p. 189).
Deste modo, Juliana seguiu seu conselho e, certamente, usufruiu prerrogativas desmedidas na casa como supracitado, assim, “saboreava delícias, com gula, muito consigo – aquele gozo de a ter ‘na mão’, a Luisinha, a senhora, a patroa, a Piorrinha!” (QUEIRÓS, 2006, p. 189).
Surge rapidamente na história e não importante uma bela mulher de trinta anos de idade chamada Filomena, era muito branca, tinha olhos negros e formas ricas, usava um vestido azul, trazendo em uma bandeja de prata pequenas taças e conhaque. Era um jantar na casa do Conselheiro Acácio, dialogavam sobre política, sobretudo, críticas ao governo português, mencionavam literatos e tocavam música clássica.
3 COMO EÇA DE QUEIRÓS APRESENTA AS MULHERES
As mulheres apresentadas pelo autor em O primo Basílio, mostram-se ociosas e debilitadas, especialmente, Luísa e Juliana, pois exibem fraqueza e macilência físicas acarretadas, possivelmente, por problemas emocionais, a ociosidade e, ainda, a demora na resolução dos seus problemas afligindo-as futilmente cada vez mais. Além dessas duas jovens, são senhoras preocupadas com suas imagens, boas ou más, perante a sociedade lisboeta: Luísa é extremamente martirizada pelas chantagens de Juliana pela traição cometida somando o medo exacerbado de uma descoberta maior quando a vergonha e a solidão lhe alcançassem e, a jovem empregada, por sua vez, silencia um adultério cometido por sua senhora, conferindo, inicialmente, o segredo à sua tia. Em D. Felicidade observa-se que na juventude, porventura, que ela tenha sido imoral, pois, aos cinquenta anos procura um casamento. Já Leopoldina, é uma senhora devassa, bastante martirizada pela sociedade. Nota-se, portanto, que essas duas últimas mulheres fugiram do modo convencional, ou seja, dos bons costumes e, de certa maneira, são penalizadas com maledicência da sociedade. Eça de Queirós ressalta a imagem feminina na obra que configura a representação das mulheres de cada classe social portuguesa: as adúlteras apresentadas pelas mulheres que necessitam preservar suas imagens ante a sociedade e manter o matrimônio; as chantagistas que por este meio mantém sua estabilidade financeira transitoriamente ou não; as devassas que explicitam seus relacionamentos fugazes e todas essas são severamente punidas e acometidas por suas decisões pouco sábias, logo, não há julgamentos que se devam produzir sobre as ações das personagens femininas na obra.
Concluo, por meio do pensamento acima da ação que levou Luísa a se entregar a Basílio, com uma máxima do senhor Sebastião diante do erro incalculado e irrefletido de Luísa: “_ Não há más mulheres, minha rica senhora, há maus homens, é o que há!”. (QUEIRÓS, 2006, p. 289).
NOTAS
i Insatisfação romântica que consiste em querer evadir-se de sua condição, adotando uma personalidade idealizada, como o fez a heroína do romance Madame Bovary, de Flaubert.
ii Perda momentânea da consciência, acompanhada da suspensão real ou aparente da circulação e da respiração; chilique, delíquio, desmaio, faniquito, fanico.
iii Dificuldade ou embaraço na digestão.
4 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
MASSAUD, Moisés. A Literatura Portuguesa. 37. ed. São Paulo: Cultrix, 2008.
QUEIRÓS, Eça. O primo Basílio. São Paulo: Editora Escala, 2006.