Impressão subjetiva e analítica sobre o canto I do “Inferno”, do poema a Divina Comédia, de Dante Alighieri

Por Marcela Borges SANT’ANNA

Proponho no presente trabalho, analisar de maneira, sobretudo, empiricamente analítica o canto I da primeira parte do “Inferno” do poema a Divina Comédia, de Dante Alighieri escrita em 1307.

Primeiramente, a estrutura do poema contém um canto introdutório da qual, através de impressão subjetiva, contemplarei e analisarei. O mesmo poema subdivide-se em três tomos, intitulados: “Inferno”, “Purgatório” e “Paraíso”.

Descreverei brevemente sobre o real significado de comédia por ser este o título original dado por Dante Alighieri a sua obra e, posteriormente, inserida “Divina” talvez por Boccaccio e um rápido comentário sobre o autor Dante Alighieri, bem como, perpassarei de maneira geral pelo “Inferno” de a Divina Comédia, porém, esta análise se limitará unicamente a contemplação do canto I e, logo depois, concluirei este trabalho com uma impressão de leitura e análise subjetiva.

A comédia provém do grego komoidía, pelo latim comoedia. De acordo com Massaud Moisés (2004, p. 79-82), a origem do étimo grego, sendo, portanto, interessante, é controvertida, pois, derivaria de kômos, uma festa popular em louvou de Baco, ou de kómas, aldeia, pois, segundo Aristóteles, os comediantes desistiram de empregar-lhes este nome pelo fato de não serem estimados na cidade.

A etimologia do vocábulo e a constituição da comédia aprofundam-se na obscuridade, pois, através de Aristóteles, a comédia advém dos cantos em homenagem a Dioniso. Estas homenagens festivas eram realizadas no período derradeiro do inverno na Grécia, para celebrar o início da primavera encarnado em Baco, considerado deus do vinho que, através de um séquito, entoavam louvores gratulatórios, regados a danças e oferendas alcoólicas, porém, com o passar do tempo, conjectura-se que os cantos de louvor a Baco alcançassem uma tonalidade mais divertida e até mesmo, satírica.

Finalmente, algum poeta com inspiração na tragédia, decidiu associar as manifestações orgíacas em uma única peça que, porventura, sofreu modificações e transformou-se, obviamente, em comédia.

Na Grécia, a comédia progrediu em três fases distintas: a comédia antiga cuja estruturação consistia no irrompimento do coro, as máscaras e as diversas roupagens usadas, estes discutiam-se assuntos políticos e sociais; a comédia mediana que tratava de assuntos mitológicos ou literários e a comédia nova que baseava-se em torno das paixões, configurando esta comédia no emprego da simplicidade na realização das cenas e a economia dos acontecimentos.

Em terra latina, a comédia distingue-se em algumas modalidades acompanhadas de musicalidade: atelanas que eram peças populares, cômicas e grosseiras, pois, correspondiam os festins em louvor a Baco; a comédia paliata, pois, os atores vestiam-se como os gregos e a comédia togata, que assinala o emprego da toga, uma veste romana.

Já na Idade Média, a comédia deixou de evoluir, fornecendo à mesma a designação de narrativa ou poema conclusivamente feliz, sendo, portanto, como a Divina Comédia, de Dante. No fim do período medievo, eram representadas as farsas que consistiam no exagero do cômico, os momos, representados mimicamente com máscaras e os arremedilhos, que configuravam as imitações burlescas. Daqui por diante, a comédia tende sua progressão, perpassando pela Renascença, obtendo uma estrutura mais fixa com o, então, exímio comediante Gil Vicente e seu teatro popular em Portugal. A comédia aflorou-se, também, na Espanha, Itália, Inglaterra e França cujos autores destes muitos países, elevaram o teatro cômico através dos séculos XVI e XVII e, naturalmente, nos séculos que se seguiram a comédia sofreu suas reais modificações até estabelecer seu perfil modernamente.

Dante Alighieri nasceu em Florença, na Itália, como supracitado, deu nome a sua obra de Comédia em 1307 e, posteriormente, trabalhou por muito tempo com ela. Intencionalmente, o poeta fez de sua obra uma questão doutrinária e de edificação, pois, obtinha um conhecimento de teologia, filosofia e ciência, por isso, assim, o poema é abastecido de alegorias e moralidade.

O primeiro tomo do poema, a saber, o “Inferno”, o poeta depara-se, basicamente, com inúmeras personagens que existiram de fato na história, citarei, portanto, alguns. Dante perde-se numa floresta tenebrosa encontrando feras pelo caminho, estas feras simbolizavam os pecados humanos. Virgílio, um renomado poeta romano, surgiu para guiar Dante em sua viagem ao inferno para ajudá-lo a encontrar-se com Deus. A viagem tenebrosa, porém, excitante, continua e, Virgílio, informa-o de ser puramente um privilégio tal viagem, pois, uma mulher concedeu-lhe uma oração, esta se chama Beatriz.

Adentrando no inferno, logo encontram os covardes e os anjos, estes quando na descida de Lúcifer, não sabiam que lado se colocar. No primeiro círculo, corre um rio, chamado Aqueronte, neste rio atravessam os que se achegam acompanhados por um demônio, logo, ao chegarem do outro lado, são julgados por um monstro, cuja cauda deste aponta qual círculo o pecador se destinará. Para além do rio, são recebidas as crianças que morreram sem o batismo, cuja atmosfera deste local, é de melancolia. Ainda no círculo, Dante se depara com um dos maiores poetas, são eles: Horácio, Homero, Ovídico, Lucano e outros mais. Contudo, o segundo círculo é mais terrivelmente medonho, pois, neste há uma forte tempestade de vento, ainda, Dante encontra-se com uma jovem e nobre medieval italiana que narra sua própria história verdadeiramente, a saber, Francesca de Rímini. Esta moça, através de um acordo de paz, diz ser concedida a casar-se com um homem culto, porém, desagradável aparentemente. Logo, apaixona-se pelo seu irmão Paulo que era bonito e jovem, porém, foram assassinados. Mais precisamente, no canto V é descrita este encontro:

À entrada do círculo segundo, está Mimos, que julga as almas dos pecadores. Dante e Virgílio penetram no lugar tenebroso, onde são atormentados os voluptuosos por eterna tormenta. Episódio de Francesca. Interrogada por Dante, conta-lhe a sua história. O poeta é tão intensamente impressionado, que cai como morto. (ALIGHIERI, 2002, p. 45).

No terceiro círculo, Dante observa uma terrível chuva que é derrama sobre os gulosos que são vigiados por um horripilante cão com três cabeças. Já no círculo seguinte, encontram-se os avarentos e os pródigos que, pois, carregam pesos gigantescos e, logo adiante, os enraivecidos, os indolentes, os invejosos e os soberbos totalmente imersos numa lama pantanosa ardente. Com o auxílio de uma barca, atravessam tal rio avistando adiante muros de fogo. Próximo deste muro está a parte mais incrivelmente terrível, pois, se encontram os casos considerados os mais graves.

Seguindo viagem, Dante avista os heréticos, os suicidas como o político, escritor e literário italiano Pier Delle Vigne que foram petrificados, também, os esbanjadores, estes devorados por cadelas raivosas. Ademais, o poeta encontra com os violentos contra Deus e contra a natureza submetidos diretamente a uma chuva de fogo. O mesmo avista Brunetto Lattini, um renomado escritor e político acusado de sodomia, estes sodomitas cainhavam sem parar para, assim, aliviar a dor.

Dante e Virgílio chegam ao sétimo círculo, cujo círculo apresenta um precipício extremamente íngreme, subindo ambos os poetas sob a garupa de um monstro e, em seguida, descem ao abissal. No seguinte círculo, expõe Dante, ser tal círculo alucinante, pois, se encontram valas malditas dispostos os pecadores nestas valas subdivididas. Daqui por diante, o inferno fica cada vez mais terrivelmente horripilante. Aqui estão os alcoviteiros castigados por demônios, os simoníacos espetados de cabeça para baixo e os adivinhos voltados com as cabeças para trás. Aqui, Dante expõe seu conhecimento teológico, pois, na Bíblia está descrita uma passagem que Deus repugna os adivinhos. Na seguinte vala, inúmeros diabos obtêm arpões obrigando os pecadores a permanecer totalmente submersos. Na sexta vala, estão dispostos os hipócritas vestidos com capas de chumbo e, na sétima vala, encontram-se abundantes serpentes juntamente com os ladrões que, posteriormente, transformam-se em serpentes. Muitos seres em plena transformação surgem nesta vala.

Seguindo ambos seus destinos, deparam-se com os tentadores de discórdias cujos corpos são cortados com um afiadíssima espada por, obviamente, demônios. Entre estes, está o trovador Bertrand de Born acusado de maus conselhos e, consequentemente, a separação do pai de seu filho. Bertrand caminha segurando sua cabeça. Na derradeira vala do sétimo círculo, estão os falsários que se arranham furiosamente. Os mentirosos, demasiadamente ardem de febre.

Retirando-se das valas, Dante e Virgílio avistam Fialte, Anteu e Nembrote que, ousadamente desafiaram Deus na construção da Torre de Babel. Aproximam-se, portanto, no derradeiro lugar do “Inferno” de Dante que, ao contrário do que se pensa ser extremamente fervilhante, deparam-se com um espaço demasiadamente gélido. Aqui, jazem os traidores, um deles é Conde Ugolino que rói o crânio do seu inimigo, descrita no canto XXXIII: Do fero cervo os lábios desprendendo, /na coma o pecador os enxugava /Desse crânio, a que estava atrás roendo. (ALIGHIERI, 2002, p. 178). Destes traidores, Lúcifer mastiga os três maiores considerados traidores da História, a saber, Judas que, venalmente, traiu Jesus no clímax da sua história na Terra, cumprindo, assim, sua santíssima incumbência de salvar a humanidade de um mundo pecaminoso e, conseguintemente, sua crucificação e morte, também, Brutus e Cassius, traidores de César, que vieram a se suicidarem, posteriormente.

Excepcionalmente no canto I, Dante adentra na, então, incógnita floresta infernal que durariam dois dias através de um sono que o tomara, aparecendo o poeta Virgílio convidando-o a aceitar a jornada. Inicialmente, a impressão subjetiva que se tem do canto é da questão ricamente imaginativa intertextualizando partes com as de outros poetas, como os Lusíadas, de Camões, pois, ambos dizem do planeta: Ao alto olhei, e já, de luz banhando/ Vi-lhe estar as espaldas o planeta, /Que, certo, em toda parte vai guiando. (ALIGHIERI, 2002, p. 26). Para Dante, o inferno é assombrosamente maravilhoso quando dia:

Então, o assombro um tanto se aquieta,

Que do peito no lago perdurava

Naquela noite atribulada, inquieta.

E como quem o anélito esgotava

Sobre as ondas, já salvo, inda medroso

Olha o mar perigoso em que lutava,

O meu ânimo assim, que treme ansioso

Volveu-se a reminar vencido o espaço

Que homem vivo jamais passou ditoso.

(ALIGHIERI, 2002, p. 26, 27).

Dante, assim, repousa para tornar sua jornada avante. O mesmo, por muitas vezes quisera retornar de tão tenebrosamente era aquele lugar, pois, uma pantera o seguiu por algum tempo. O poeta, também, descreve, simbolicamente, o poder papal através da avareza representada por uma loba, nos versos que se seguem: Eis surge loba, que de magra espanta; /De ambições todas parecia cheia; /Foi causa a muitos de miséria tanta! (ALIGHIERI, 2002, p. 27).

O poeta, até mesmo poderia discutir algo com os pecadores e, neste momento, ouve uma voz lamentosa cujo tom é baixo e pausadamente:

Quando ao vale eu já ia baquear-me

Alguém fraco de voz diviso perto,

Que após largo silêncio quer falar-me.

Tanto que o vejo nesse grão deserto, _ “Tem compaixão de mim! _bradei transido _

Quem quer que sejas, sombra ou homem certo!”

“Homem não sou” _tornou-me _ ”mas eu sido,

Pais lombardos eu tive; sempre amada

Mântua lhes foi; haviam lá nascido. (ALIGHIERI, 2002, p. 28).

Virgílio é excepcionalmente venerado e prestigiado na Idade Média, igualmente, por Dante na Divina Comédia. Com tantos adjetivos ao poeta, Dante não somente aceita, obviamente, a jornada, como também manifesta sua admiração, pois, com tamanha genialidade não poderia este se submeter servindo-o de guia ao inferno dantesco e, portanto, faz-lhe a seguinte questão:

Filho de Anquises, que de Tróia veio,

Depois que Ílio soberbo foi combusto.

“Mas por que tornas da tristeza ao meio?

Por que não vais ao deleitoso monte,

Que o prazer todo encerra no seu seio?”

“_ Oh! Virgílio, tu és aquela fonte,

Donde em rio caudal brota a eloquência?”

Falei, curvando vergonhoso a fronte. _

“Ó dos poetas lustre, honra, eminência!

Valham-me o longo estudo, o amor profundo

Com que em teu livro procurei ciência!

(ALIGHIERI, 2002, p. 28, 29).

Nos versos que se seguem, Dante expõe explicitamente sua notável admiração pela sabedoria de Virgílio, porém, logo se depara novamente com a fera que antes o seguira. Devo acrescentar que, no intróito da exacerbada viagem, a mesma segue com alguns estupefatos momentos ao se deparar com feras, vozes e gritos estridentes. Neste momento, Virgílio avisa a Dante que um espírito melhor o guiará no reino glorioso, a saber, Beatriz: Se lá subir quiseres, um ditoso /Espírito melhor te será guia, /Quando eu deixar-te, ao reino glorioso. (ALIGHIERI, 2002, p. 30).

Portanto, visando o canto I, concluo uma simplória análise, viste que, os momentos intensamente macabros pelo qual Dante e Virgílio passaram é contemplado a parir do segundo círculo do “Inferno”, onde realmente as cenas que se seguem são verdadeiramente obscuras e tenebrosas que se pode imaginar pelos quais os pecadores nas suas concupiscências humanas ardem nos mais variados castigos de tormentas eternas. Assim, o primeiro tomo da riquíssima imaginação da obra de Dante, assombrosamente surpreende.

Referências

ALIGHIERI, Dante. Divina Comédia. 9. ed. São Paulo: Martin Claret, 2002.

MOISÉS, Massaud. Dicionário de Termos Literários. 12. ed. São Paulo: Cultrix, 2004.

Marcela Borges SantAnna
Enviado por Marcela Borges SantAnna em 16/04/2023
Código do texto: T7765518
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