Análise do poema “Soneto da loucura”, de Drummond sob a luz de Dom Quixote de La Mancha, de Miguel de Cervantes
Por Marcela Borges Sant'Anna
Proponho apresentar neste trabalho, uma simplória análise subjetiva do “Soneto da loucura”, de Drummond publicado em 1973 com outros demais poemas alusivos a Dom Quixote de la Mancha, de Miguel de Cervantes escrita em 1605.
No intróito desta análise, descreverei, basicamente, o significado de soneto e, posteriormente, a definição de louco como um adendo, logo depois, analisarei o poema de Drummond sob luz da obra de Cervantes.
De acordo com Massaud Moisés (2004, p. 432-434), a origem do vocábulo provém do italiano sonetto, diminutivo de suono, som; do provençal sonet, de son, melodia, canção. A composição do soneto contém catorze versos, ordenados em dois quartetos e dois tercetos. O termo foi utilizado pela primeira vez por Pier della Vigna (1197-1245), poeta siliciano, porém, a maioria dos pesquisadores, atualmente, consideram Giacomo da Lentino (1180-1246) também siliciano da corte de Frederico II como invertor do soneto.
Entretanto, julgo importante definir loucura, sendo que, o título selecionado do poema foi “Soneto da loucura”, pois, de acordo com o Dicionário de Termos de Saúde (2003, p. 296), o termo louco defini-se como, essencialmente, como impreciso e popular para designar uma pessoa portadora de algumas patologias ou moléstias que, por sua vez, são numerosas as classificações e subdivisões que podem ser formuladas de assunto de tal vastidão e complexidades. Contudo, tais classificações e subdivisões não se enquadram na pessoa de Dom Quixote, pois, seu histórico de loucura é extremamente lúcido. Eis o soneto:
Soneto da loucura
A minha casa pobre é rica de quimera
e se vou sem destino a trovejar espantos,
meu nome há de romper as mais nevoentas eras
tal qual Pentapolim, o rei dos Garamantas.
Rola em minha cabeça o tropel de batalhas
jamais vistas no chão ou no mar ou inferno.
Se da escura cozinha escapa o cheiro de alho,
o que nele recolho é o olor da glória eterna.
Donzelas a salvar, há milhares na Terra
e eu parto e meu rocim, corisco, espada, grito,
torto endireitando, herói de seda d ferrro,
E não durmo, abrasado, e janto apenas nuvens,
na férvida obsessão de que enfim a bendita
Idade de Ouro e Sol baixe lá nas alturas.
Adentrando na análise, portanto, percebe-se no primeiro verso “A minha casa pobre é rica de quimera”, que a casa do fidalgo Quijana é pobre, porém rica de sonhos, de desejos e de fantasias, visto que, foram construídos a partir de assídua leitura dos livros de cavalarias esquecendo-se suas atividades diárias:
É pois de saber que este fidalgo, nos intervalos que tinha de ócio (que eram os mais do ano), se dava a ler livros de cavalarias, com tanta afeição e gosto, que se esqueceu quase de todo do exercício da caça, e da administração dos seus bens; e tanto chegou a sua curiosidade e desatino neste ponto, que vendeu muitos trechos de terra de semeadura para comprar livros de cavalarias que ler, com que juntou em casa quantos pôde apanhar daquele gênero (CERVANTES, 2007, p. 46).
Ademais, observa-se no poema a predominância de antíteses, uma figura de linguagem que, de acordo com Massaud Moisés (2004, p. 30, 31), origina-se do grego antithesis, contraste, oposição; antí, contra; thésis, afirmação. No verso supracitado “A minha casa é pobre e rica de quimera”, há um contraste entre casa pobre e rica. Igualmente, no verso “torto endireitandoe, herói de seda e ferro”. Ora, seda e ferro apresenta-se como uma antítese. Neste verso, Drummond quer dizer que o fidalgo mesmo torto vai se endireitando em seu rocim e que, este sendo um homem sensível como a seda é, ao mesmo tempo, um austero, severo como o ferro.
Dom Quixote não dormia tampouco se alimentava, segue o verso do poema: “E não durmo, abrasado, e janto apenas nuvens”. Assim, segue o trecho na obra para ocnfirmar: “Em suma, tanto naquelas leituras se enfrascou, que passava as noites de claro em claro e os dias de escuro em escuro, e assim, do pouco dormir e do muito ler, se lhe secou o cérebro, de maneira que chegou a perder o juízo” (CERVANTES, 2007, p. 47).
Portanto, o poema é claro quanto às verdades e os fascinantes feitos de Dom Quixote e de como este percebia sua casa “pequena” diante da imensidão do mundo além de ti e dos sonhos que poderia realizar e viver, como viveu.
Referências
CERVANTES, Miguel. Dom Quixote de la Mancha. 3. ed. São Paulo: Martin Claret, 2007.
MOISÉS, Massaud. Dicionário de Termos Literários. 12. ed. São Paulo: Cultrix, 2004.
SOUZA, Daniel Rubio. Dicionário de Termos Técnicos de Saúde. 1 ed. São Paulo: Conexão, 2003.