Objetivos, remorsos, dores e obsessões, verdades idealizadas e mentiras vívidas

Assisti ao filme Lightyear da Disney/Pixar no dia da estreia do filme aqui no Brasil. Um excelente filme, uma história cativante e comovente. Eu costumo ser crítico da imagem deificada que o estúdio e seus filmes possuem, a contrassenso da crítica especializada e do público em geral. Reconheço que são excelentes filmes, eu gosto da esmagadora maioria deles, são tecnicamente perfeitos e com argumentos excelentes, mas não gosto da imagem que a Pixar só acerta e quando não o faz é por conta da negligência que os produtores tiveram com o “espírito Pixar”.

Na história, em um universo com alguns arquétipos e signos criados a posteriori da origem do personagem-título e algumas referências cruciais inseridas dentro da incrível saga de desenhos animados Toy Story (eu não observei atentamente se houveram referências aos desenhos animados do Buzz Lightyear criados no final do século XX e começo do século XXI, desenho que eu particularmente gostava muito, mas que reconheço que não teve muita importância e popularidade), Buzz Lightyear é um importante membro de uma organização especial com uma grande equipe delegada em uma missão e se responsabiliza violentamente pela condição de exílio da terra natal de toda a tripulação, de maneira que sacrifica toda a sua vida em prol do regresso deles para casa, ignorando que as pessoas a sua volta já se encontram resignadas e habituadas ao novo estilo de vida. A história de abnegação e relutância o alija de seu próprio tempo e é combustível para mais dor na medida que fracassa em todas as suas tentativas de volver para a casa, dedicando sua vida em um projeto sem frutos. É impossível não se sensibilizar e refletir de tal forma que é possível sintetizar o filme todo nesse mote.

Se o filme tem uma lição de moral certamente ela repousa na ideia: objetivos, remorsos, dores e obsessões. Por se culpar pela condição que entende ter imposto a todos (e o filme provavelmente torna cinzenta a dicotomia infortúnio e culpa pois é realmente difícil diferenciar esses dois conceitos em um ambiente tão complexo como uma história que pretende mimetizar aspectos humanos), Buzz transforma um objetivo aceitável em uma doentia e corrosiva obsessão. O roteiro é indubitável quando o coloca como vilão, literalmente pois o antagonista do filme nada mais é do que uma versão envelhecida dele mesmo. Depreende-se com muita facilidade que a trajetória do filme é de dor para Buzz, podendo ele escolher instrumentalizar essa chaga para autoindulgência e adaptação ou para se enfiar em um rancor muito profundo para tentar chegar ao seu objetivo final.

Surpreso fiquei sabendo que a história cinematográfica que escolhi para o escapismo de um assunto que pessoalmente tem me feito mal me faria ficar ainda mais reflexivo sobre o tema. É verdade que filmes conseguem ser muito hipócritas, com mensagens demagógicas que são completamente menosprezadas nas ações de seus produtores, mas não consegui me furtar de me sentir mal e ser levado ao choro quando realizei mais uma vez, só que dessa vez ilustrada de maneira exógena, que as minhas batalhas provavelmente me levarão a minha completa destruição.

Buzz enfrentou um caminho de dor para superação e aceitação dos seus problemas ao ver que uma outra versão de si mesmo não quis enfrentar esse caminho e ficara ainda mais corroído, transformando essa dor como intermediária do rancor, obsessão e doença. Quisera eu que a vida fosse como um roteiro de cinema: infelizmente não conseguiria fazer essa escolha nem que quisesse muito, o desfecho que me aguarda também será doloroso.

(TEXTO ESCRITO EM JULHO DE 2022, MAS TODAS AS IDEIAS DELES ESTÃO COMPATÍVEIS COM A ATUALIDADE)

Gabriel Figueiredo
Enviado por Gabriel Figueiredo em 15/12/2022
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