Machado de Assis: a temática da loucura em "O anjo Rafael"
Machado de Assis em sua genialidade sem ao menos vivenciar um período de quarentena, em seu conto: O anjo Rafael, sintetizou com exatidão os dramas de uma vida em confinamento, com a descoberta de um tipo de distúrbio psíquico que só seria classificado pela ciência 18 anos depois e que pode afetar famílias que vivem em contextos de isolamento.
No conto, O anjo Rafael, publicado no periódico Jornal das Famílias em 1869, Machado narra a história de Antero, o Major Tomás e sua filha Celestina, tendo como temática a loucura. O personagem Tomás acredita ser o anjo Rafael e sua filha, por conviver confinada com o pai doente, acaba sendo acometida pelo distúrbio mental do pai, sendo convencida de que é mesma filha do anjo Rafael, e que só deixou de lado o delírio três meses depois que o pai morreu, o que a levou a deixar a fazenda.
Machado, segundo Marcel Verrumo, não só se antecipou ao famoso diagnóstico psiquiátrico de “Folie à deux” (do francês, "Loucura a dois", pronuncia-se: foli-à-dê) como também a propostas de seu tratamento (separando os indivíduos envolvidos)
Os psiquiatras Daniel Martins de Barros e Geraldo Busatto Filho, ambos da Universidade de São Paulo, publicaram um estudo da obra de Machado na revista inglesa “British Journal of Psychiatry” afirmando que Machado de Assis foi pioneiro em descrever a psicopatologia que hoje a ciência denomina “folie a deux” – loucura a dois.
Segundo eles "A narrativa de Machado combina todos os elementos que depois seriam descritos por Lasegue e Falret [os descobridores "científicos" da "folie a deux"].
A folie a deux, pode ocorrer por imposição em uma relação de poder (Folie imposée ou communiquée) quando uma pessoa impõe crenças altamente prejudiciais, inadequadas e socialmente não-compartilhadas (ex: cultos novos, teorias de conspiração...) para uma ou mais pessoas vulneráveis ou ambos podem ter transtornos psicóticos e compartilharem suas crenças entre si (Folie simultanée ou induite), influenciando o comportamento um do outro.
Quando envolve mais de duas pessoas pode ser chamada de folie à tróis (loucura a três), folie à quatre (loucura a quatro) ou folie à plusieurs (loucura de muitos). É possível que alguns cultos radicais extremistas, suicídios em massa e teoristas de conspiração possam ser casos de folie à plusieurs, popularmente conhecidos como histeria colectiva.
Carlos de Almeida Vieira, em seu artigo “Machado de Assis e a “contaminação da loucura” - Psicanálise da Vida Cotidiana, ressalta a importância da leitura dos grandes clássicos da nossa literatura para entendermos a sociedade em que vivemos, fazendo um convite a leitura do conto sobre essa questão: O anjo Rafael (1869), para fins de se deliciar com a sensibilidade e capacidade do “Bruxo” para entrar em contato com a “loucura de todos nós”.