Análise da poesia “O Morcego” (Augusto dos Anjos), sob a crítica simbolista
Tomando a referida poesia numa observação superficial, temos que ela está na forma de soneto, ouvimos suas rimas perfeitas e o lamento do eu-lírico atormentado por sua consciência ao se deitar, à meia-noite, olhando para cima. O tema é voltado ao mundo interior do eu-lírico, no campo dos devaneios ou da loucura. Tudo a indicar o desconforto do eu-lírico com a vida. É destaque na poesia o símbolo da consciência na figura do morcego, numa realidade suprassensível.
Na primeira estrofe, o eu-lírico pede a ajuda de Deus (religiosidade) diante de um morcego que representa algo que, com veemência, sufoca-o. Na paisagem da alma do eu-lírico, faz-se referência ao morcego (representando a consciência que o atormenta) que lhe morde o pescoço onde sente o sangue quente. Isso retratado na passagem do texto: “Morde-me a goela ígneo e escaldante molho”. O que sugere que algo desagradável afeta o pescoço do eu-poético, “por meio de captação de formas e significados extraídos da realidade dura”.
Na segunda estrofe, o eu-lírico fala a si mesmo: “vou mandar levantar outra parede”, mas depois das reticências (uso de pausa), parecendo repensar, ele decide se erguer, embora trêmulo, e fecha o ferrolho, como quem diz que deu um basta à consciência (outra sugestão), ou tentou fugir dela, mas sem sucesso, quando volta a abrir os olhos direcionados para o teto, e vê o morcego igual a um olho (o símbolo-morcego representado por outro símbolo-olho), um olhar julgador (?). Nesse quarteto, a fuga do incômodo é colocada na forma de um ritual, em que cada passo se refere a um verbo: vou, digo, ergo-me, fecho, olho, vejo.
Na terceira estrofe, o eu-lírico continua tentando espantar (ou impedir), dessa vez confrontando, o morcego-consciência, numa articulação entre o mundo físico (pau) e o abstrato (alma), seja por esforço físico, ao pegar o pau e ao tocar no morcego (esse imaginário), seja por meio da concentração da alma do eu-poético. Há ainda outra tentativa de se livrar do tormento, chamando aquele morcego de feio parto, ou seja, de algo que não é bem-vindo (construção de um cenário de sentimento), para, assim, sequer ser notado pelo eu-poético (?). Nessa estofe, o enfrentamento do mal que aflige o eu-lírico também segue um ritual: pego, faço, chego a tocá-lo.
Na quarta estrofe, o eu-lírico revela que o morcego é a consciência humana, a qual aparece na hora de dormir, no leito, sem ser convidada/esperada. Sendo o morcego algo incômodo e medonho, conforme foi adiantado nas estrofes anteriores, percebe-se que o estado de espírito do eu-lírico é bastante perturbado.
Assim, durante a análise do poema O Morcego, verificamos as características do Simbolismo, a exemplo do apuro formal; do uso de símbolos ou de versos construídos com palavras/referentes compatíveis entre si, mas com significação poética diversa da realidade, vez que desenha o estado emocional do eu-lírico; transcendência; religiosidade; sugestividade; mal-estar no mundo; fuga; subjetivismo; imaginação, imprecisão.