O cordel ainda pulsa
Flávio Petrônio, li seu cordel “O homem que matou a morte”, onde você garante que não se trata de folheto, se bem que utiliza elementos presentes na estrutura da Literatura de Cordel, como faz questão de explicar na contracapa. O livro saiu pelo selo “Latus”, da Universidade Estadual da Paraíba. Para mim é cordel, porque nas suas dezenas de estrofes em septilhas, sextilhas ou redondilha maior, estão presentes os requisitos desse gênero: rima, métrica e oração.
O cordel tem mergulhado desde sempre no tema da morte, que Ariano Suassuna chamava de “Onça Caetana”. Já nas Sagradas Escrituras o cordel falava na luta do homem mortal contra a Onça Caetana: “Cordéis da morte me cercaram, e angústias do inferno se apoderaram de mim; encontrei aperto e tristeza. Então, invoquei o nome do Senhor, dizendo: Ó Senhor, livra a minha alma da morte eterna!” (Salmo 116: 3-7) Este salmo é atribuído ao rei Davi, um dos precursores do cordel, autor da “Peleja de Davi contra o gigante Golias”. O rei Davi era um homem muito sábio. Ele costumava afirmar que há três coisas na vida que o homem jamais deve perder: a paciência, a alegria e a própria vida propriamente dito. Ao contrário do que essa sentença basbaque possa sugerir, o pensamento se transfigura em um profundo mergulho no inconsciente coletivo das massas semimortas.
Mas, deixemos de variedade e voltemos ao cordel de Flávio Petrônio. A obra em questão ameaça destronar a compilação de Beto Brito, queixoso de que criou o maior cordel do mundo ao dar à luz “Bazófias de um cantador pai d’égua”. Na verdade, conforme os historiadores, o maior cordel do mundo foi escrito por um tal Camões sob o título “Os Lusíadas”, que tem cerca de 1.200 caracteres, um pouquinho maior do que as Bazófias de Beto. Não cheguei a contar o número de estrofes d”O homem que matou a morte” desse meu conterrâneo Flávio Petrônio, pernambucano de Itapetim, mas tenho a impressão de que ganha de Beto e do velho Camões, popularmente conhecido por Lula Caolho. O cordel de Flávio começa assim:
Vou contar uma história
Dessas que intrigam a gente,
Ela me aconteceu
Nos corredores da mente
De sonho e realidade
Vou relatar a verdade
Que me ficou permanente.
Parecia que o sonho
Era o meu sonho real
Vivendo sempre comigo
Desde o tempo inicial
Mostrando que a existência
Pode ser interferência
De algo sobrenatural.
Seguem dezenas de estrofes narrando as aventuras de Severino, morte a dentro e vida afora. Eu reputo grandioso o relato, tanto na forma quanto na essência conteudística. Consta, inclusive, que um tal Milan Kundera, autor de um livro por nome “A imortalidade”, onde trata da típica busca humana pela vida eterna, foi influenciado pelo cordel de Flávio Petrônio.
Não pretendo nem tenho espaço aqui para analisar com profundidade a impressão que me deixou o cordel gigante do cabra de Itapetim. Encerro, portanto, constatando que não há lugar para o cordel no mercado editorial, e só uma editora universitária, com foco apenas na relevância da obra, tem isenção para publicar cordel, produto quase invisível, porque não existe nas pesquisas do mundo editorial e nos índices nacionais de leitura pelo simples e absurdo motivo de que não tem ISBN e nem reputação para constar nas prateleiras das livrarias. No entanto, o pulso ainda pulsa. Registrando que a professora e folclorista Jandira Lucena está lançado o livro “Cordéis antológicos de Fábio Mozart”, contando e recontando “a história do povo da Paraíba, onde o autor dos folhetos da antologia se radicou desde criança”. Conforme Jandira, “esta coletânea se mostra relevante para a preservação deste gênero nordestino, pela excelência dos conteúdos e, em diversos aspectos, por representar o contexto histórico das comunidades por onde viveu Fábio