Uma atividade que não me deixou perder o vínculo com a Literatura foi a leitura, que sempre amei. Assim, começo a publicar uma série de impressões sobre o que li para comentar nos dois grupos de Leitura de que faço parte. Espero que gostem e comentem. Aos que ainda não leram os livros, espero despertar o interesse na leitura. 

 

METAMOROFOSEADO

          “A Metamorfose”, de Franz Kafka, é um clássico da literatura universal, escrito orginalmente em alemão. O autor nasceu em Praga, hoje em dia República Tcheca, mas à época era parte do grandioso império austro-húngaro. Kafka teve uma relação conturbada com o pai, e isso influenciou a sua escrita. Aliás, é perceptível em “A Metamorfose”. Sua obra é marcada por situações complexas e, por que não dizer, surreais. Daí vem o termo “kafkaniano”. Faleceu aos 40 anos, de tuberculose, e muitos seus manuscritos e cartas que haviam ficado com sua companheira foram confiscados pela Gestapo em 1933, antes mesmo do início da Segunda Guerra. Enquanto viveu, Kafka nunca foi conhecido ou reconhecido como o escritor incrível que era. Foi após sua morte que seu amigo Max Brod publicou algumas de suas obras, como “O Processo”, “O Castelo” e “O Desaparecido”.

          Antes de começar a leitura do livro, meu marido me disse que nunca havia entendido o que Kafka queria dizer com “A Metamorfose”. Então, já comecei a ler o livro com essa pergunta em mente.

          No conto “A Metamorfose”, o protagonista Gregor Samsa acorda um dia transmutado em um inseto repugnante. Aqui vemos que o autor começa a história com o clímax. Interessa notar que metamorfose, em biologia, é um processo de transformação em que o animal passa dos estádios iniciais de desenvolvimento para o estádio adulto. Ora, Gregor não passou por nenhum processo, foi pá-pum: dormiu de um jeito e acordou de outro. Então, para mim, ficou mais uma pergunta: por que esse título?

          Bom, o autor apenas sinaliza que o inseto que Gregor se tornou é uma barata (há edições em que é um besouro). A barata é um inseto hemimetábolo, de metamorfose incompleta. O animal que nasce do ovo é semelhante ao adulto, necessitando apenas crescer e amadurecer sexualmente. Diferentes são animais como as borboletas que são holometábolos: o animal que nasce do ovo é completamente diferente da forma adulta, e o processo de metamorfose, então, é completo e possui algumas etapas bem marcadas. Feito o esclarecimento técnico, percebi algumas dicas que o autor parece ter deixado para compreendermos tanto o título do livro quanto o que ele quis dizer com a história.

          Gregor era o provedor da família. Era o único que trabalhava e sustentava os pais e a irmã (o pai era um comerciante falido). A partir do momento em que Gregor Samsa fica inapto para o trabalho e, portanto, deixa de prover a família, que começa a sofrer dificuldades, todos começam a trabalhar: o pai arranja emprego em um banco, a irmã passa a trabalhar de vendedora em loja e a mãe começa a fazer quitutes em casa para vender; a família ainda aluga um quarto para ter mais uma fonte de renda. Portanto, para mim, a metamorfose que ocorreu completa e verdadeiramente foi a da família de Gregor Samsa, que saiu do ovo onde viviam comodamente e tornaram-se adultos, cuidando da própria vida e do próprio sustento. Destaque para a irmã, que era infantil e tornou-se uma mulher num curto espaço de tempo e passou a cuidar dos pais e a tomar as decisões da família, papel que era de Gregor.

          A barata simboliza resiliência, sobrevivência, adaptação e ao mesmo tempo representa escuridão, aversão, sujeira e pestilência. No conto de Kafka, percebemos que rapidamente Gregor se adapta à sua nova forma, força e hábitos. Sua família e o entorno, ao contrário, o veem com aversão, nojo e repugnância. Por essa razão, o escondem de todos, e Gregor passa a viver trancado em seu quarto. De início, a irmã tenta alimentá-lo com aquilo que é de seu (novo) gosto. Depois, ante todas as dificuldades, passa a deixar de lado a alimentação de Gregor e a limpeza de seu quarto. O pai de Gregor, em uma cena, quase mata o filho atirando-lhe maçãs.

          Quando Gregor percebeu que era um estorvo para a família, entrou em depressão e definhou até morrer, também porque a alimentação que lhe era destinada não era adequada, o que o fez parar de comer. Quando Gregor morre, a família sente um grande alívio, um peso que saiu de suas costas. Eles já haviam decidido eliminar o repugnante parente, ainda que isso significasse cometer um filicídio ou um fratricídio.

          Toda essa situação me remeteu a pessoas que eram provedoras de suas famílias e passaram por situação de deixar de prover, seja por doença, seja por acidente e aí temos os deficientes. Antigamente, e não faz muito tempo, as famílias escondiam seus entes que não estavam física ou mentalmente dentro da norma da sociedade. Essas pessoas viviam largadas em suas residências, muitas eram até malcuidadas. Aqueles que não tinham uma “utilidade” para a sociedade, eram eliminados dela e eram um fardo para a família, assim como Gregor.

          Além, evidentemente, da criatividade originalíssima de Kafka, “A Metamorfose” é um clássico porque traz reflexões que servem à humanidade, como estar em uma situação completamente nova de repente e ter que se adaptar a ela; como a alimentação adequada; e a complexa situação de se ter um ente inapto à sociedade dentro de casa, claro, no conceito daquela sociedade à época em que o conto foi escrito, em 1912.

 

Vânia Gomes
Enviado por Vânia Gomes em 04/09/2022
Reeditado em 04/09/2022
Código do texto: T7598289
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