Água Para Elefantes
Jacob Jankowski tem 90 anos – ou 93, para ele, a essa altura, não faz diferença – e vive em uma casa de repouso, onde convive com outros idosos, enfermeiras e os fantasmas de seu passado. Com a chegada de um circo às proximidades, as lembranças que o assombram vêm à tona e somos apresentados a uma parte de sua vida desconhecida de todos os que estão a sua volta; inclusive um segredo que ele guardou consigo durante os últimos setenta anos.
Através da memória de Jacob, somos levados de volta ao verão de 1931, quando, aos 23 anos, ele viu sua vida mudar completamente. Com a morte dos pais, vítimas de um acidente de carro, Jacob passa de um estudante universitário prestes a se formar como veterinário e com um futuro já planejado, a condição de órfão, desprovido de herança e sem lugar para ir. Desnorteado, o rapaz foge durante os exames finais e anda sem rumo pela mata, acompanhando a linha férrea, até deparar-se com um trem em movimento no qual embarca. Para sua surpresa, ele não havia embarcado em qualquer trem, mas estava a bordo do Circo Irmãos Benzini – O Maior Espetáculo da Terra. A partir do embarque de Jacob, a autora Sara Gruen nos leva ao maravilhoso e assustador mundo do circo. Um lugar onde adultos e crianças buscam alegria e diversão, mas que esconde em seus bastidores as duras histórias de vida daqueles responsáveis por manter a magia do picadeiro. Do trabalho extenuante de montagem das tendas à hierarquia que separa os trabalhadores, artistas e chefes e a consequente distribuição desigual de privilégios, somos apresentados a um mundo completamente diferente daquilo que o público vê.
Comandado pelo ganancioso tio Al, o Circo dos Irmãos Benzini é um espetáculo que sobrevive sob suas próprias leis. Trabalhadores braçais e animais são vítimas de exploração e maus tratos em um cenário que se agrava à medida que a situação financeira do mesmo piora, em parte pelo período da Grande Depressão Americana em que a narrativa se insere, mas principalmente pela péssima administração dos responsáveis.
Aceito graças à Universidade de renome que frequentava, Jacob se vê dividido entre o mundo dos trabalhadores e artistas, sem pertencer exatamente a nenhum dos dois. É nessa situação de incerteza que será introduzido àquelas que se tornarão os dois amores de sua vida: Marlena, a estrela do circo e casada com o desequilibrado August; e Rosie, uma elefanta comilona e aparentemente burra que Jacob treina e protege de maneira a torná-la o novo grande número do picadeiro.
No livro “Água Para Elefantes”, Sara se utiliza de uma ampla pesquisa e anedotas comuns na realidade circense para dar vida à narrativa. As crueldades infringidas aos trabalhadores, as peripécias e castigos relacionados aos animais estão em questão. Conhecida por retratar a vida animal em seus livros, a própria autora admite ter tido a intenção de demonstrar o tratamento dispensado aos elefantes durante aquele período histórico.
O resultado de tudo é uma história cativante que se utiliza de uma linguagem clara, até mesmo bruta em alguns momentos, para descrever a vida sob a grande tenda, não deixando que seja omitido um detalhe sequer. Os espetáculos na tenda principal; os que acontecem na tenda secundária; as festas glamorosas nos vagões dos artistas; as farras e bebedeiras dos empregados, bem como suas conseqüências. A narrativa tem, inclusive, um número razoável de reviravoltas que consegue manter o leitor interessado até o final.
Outro aspecto positivo é que o livro consegue abordar o romance entre Jacob e Marlena sem parecer exagerado ou mesmo piegas. O desenvolvimento da relação dos dois é descrita de maneira convincente e sem muitos floreios, jamais ganhando mais espaço do que o necessário.
A parte mais emocional da narrativa, porém, são os momentos em que somos trazidos de volta a realidade e novamente nos encontramos na companhia do idoso Jacob Jankowski. Difícil não se identificar com a nostalgia com a qual ele se lembra daquele que foi o período que definiu o resto de sua vida, assim como a maneira como ele tenta desesperadamente afastar-se do rótulo lhe conferido pela idade avançada e se apegar desesperadamente aos pequenos detalhes que fazem dele simplesmente um ser humano que viveu mais do que a maioria dos outros.
Nesse romance que cativa da primeira até a última folha, Sara Gruen transformou não apenas o circo, mas a vida, através das lembranças de Jacob, no maior espetáculo da Terra.