POESIA DO VALE - "Todo grito é poesia", do poeta Alan Dantas.
Alan Dantas é um servo da palavra. O grande desconforto disso, acredito que para todo poeta, como ele mesmo diz é ser “o contrário do que as letras me exigem”. E assim não há como viver da palavra, ou talvez não somente dela. A sua verve é transeunte por entre os cânones, positivismos, e chega aos porões da alma: lá onde encontramos a poesia e uma porção de demônios. Mas, mesmo lá, nos nossos mergulhos internos, na dança infinda com nossas luzes e sombras, o poeta nos diz que é possível se expressar “na lira solta das línguas/ Que, mesmo oblíquas, tecendo Satãs/ desemperram portas, iluminam manhãs”.
Mas, talvez esse Alan, que fez suas travessias e mergulhou nas águas aos 37 anos, encontrou a partir daí a fonte dos mistérios. Não há como se ter por inteiro e por todo o tempo. Só uns poucos fragmentos suportáveis, pois, já diria Fernando Pessoa, não há como saber quantas almas temos, já que “quem sente não é quem é”. O poeta, ao saber disso, cuidou em conviver com suas partes, seu animus e anima, sua dança interior entre masculino e feminino, e o fez como diria Gal Costa, como uma vaca profana de cornos para fora e acima da manada: “A vida me tornou/ Insatisfeita. Movente/ Sou mulher das letras/ Vivas e indecentes/ A indecência é sagrada”.
Em seu poema “Alquimia dos afetos”, o poeta enfrenta a olaria da existência, que nos exige coragem e imaginação para transmutar elementos, emoções, dores, lutos, medos. Como resultado disso, é necessário queimar até mesmo as palavras, memórias e reencontrar nas cinzas novos sentidos, novas cores, paixões. Quem está disposto a essas travessias não tem medo do fogo, pois ele não apaga a capacidade de sonhar e desejar: “O fogo não amedronta/ A inocência revelada/ A memória calejada/ A vontade de sonhar”.
A poética de Alan Dantas é, portanto, um incêndio. Vá sem medo de arder.