PIETRO CITATI - "Israel e o Islão"
Hoje, tenho o gosto de aqui deixar uma breve referência à obra “Israel e o Islão”, de 2003, de Pietro Citati, autor que muito admiro.
Na primeira parte desta obra, o Autor analisa e descreve a origem e natureza da religião do antigo povo de Israel.
Na segunda parte, além de nos falar da origem de Maomé, Pietro Citati apresenta-nos as relações entre a Bíblia e o Islão, e comunica-nos o prazer de contactarmos com a Cultura, a Arte, e a Literatura da antiga Arábia, da antiquíssima Pérsia, e em pormenor os seus extraordinários poetas e o Sufismo.
Na terceira parte, são-nos oferecidos pormenores sobre a Cabala, o Hassidismo e os seus contos maravilhosos, e os seus mestres.
Temos ainda os retratos de Joseph Roth, Simone Weil, e Hannah Arendt.
Por fim, cerca de dez páginas são dedicadas a um apanhado sobre a vergonhosa História do anti-semitismo. No final deste último capítulo, Citati refere como o Cristianismo, a “heresia judaica”, se separou do Judaismo. E fala-nos das consequências daí advindas.
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Na pág 255, sobre os antigos judeus, explica-nos:
“Os judeus foram odiados porque eram conservadores, ligados aos velhos impérios austro-húngaro e otomano; odiados porque burgueses, liberais e, algumas vezes, revolucionários; odiados pelos banqueiros, pelos médicos, pelos engenheiros, pelos escritores, pelos advogados, pelos jornalistas, pelos cientistas católicos e protestantes, porque mais inteligentes e mais cheios de fantasia do que eles; odiados pelos aristocratas, pelos operários e pela populace; pela direita e pela esquerda; odiados porque eram diferentes; acusados de não serem criativos, acusados de terem um excesso de potência sexual, negada aos cristãos, acusados de formarem uma poderosíssima sociedade secreta espalhada pelo mundo inteiro como, outrora, os jesuítas. (…) Ao ler, com esforço e dificuldade, estes livros e artigos, não ousamos acreditar nos nossos olhos. (…) De repente, revelou-se toda a imbecilidade, a abjecção, a torpeza, a vulgaridade, a baixeza, a vileza, a ferocidade, o terror que habitaram nas entranhas do séc XX.” (… )
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Poderemos, sugiro, fazer comparações e paralelos. Trata-se, sem dúvida, do medo, ou ódio, ao diferente. Da reserva que se instala em nós ao depararmo-nos com o desconhecido… Umas vezes porque se está em maioria e se detém a força, outras vezes porque se está em minoria, e se tem a consciência que não há força que nos valha…
Este anti-semitismo que minou a História do ocidente, é agora retomado com outras cores e outras vestes, e transforma-se em anti-arabismo, ou “anti-muçulmanismo”… Pois o Ocidente tem fraca memória, esquecendo que plantou não só ventos, como tempestades – e que está agora a colher os frutos sob a forma de furacões de que desconhecemos o desfecho… Pior ainda, esquecendo o muito em que é devedor a esta Cultura a quem, desde tempos imemoriais, tanto deve… Eu sei que a História não tem retorno. Mas acredito que a Paz ainda é, e sempre será, possível – e que depende de cada um nós, numa cadeia sem fim! – pudéssemos nós contentar-nos com pequenas centelhas de Belo, como diria o poeta persa Daqîqi –
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“De todas as coisas do mundo –
as melhores, ou as piores –
Daqîqi escolheu quatro –
os lábios da cor do jacinto,
o gemido da guitarra,
o vinho da cor do sangue,
e a lei de Zoroastro”
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Ou então, como dizia Abti Ishaq, de Merv, a quem chamavam Kisâi –
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“O passarinho da sala de música pôs-se a cantar
como um enamorado para a bem amada
– Amante, ao cair da noite,
toma pela mão a tua namorada,
não percam o tempo,
e vão até ao bosque
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Ou pudéssemos nós contentarmo-nos com tão pouco, como um poema, ou duas ou três linhas de um poema, como é o caso da lenda que se conta de Omar Khayyam e Petrarca:
Diz-se que Omar Khayyam ficou célebre na Pérsia porque Petrarca lhe terá dito – “Eu só queria esconder-me nos meus versos, e poder roçar os teus lábios de passagem, desde que tu os cantasses.”
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A paixão pelo Belo – seja a Arte, a Poesia, a Música, a Ciência, ou o Amor à Natureza – ou a grande beleza do Amor Humano – são no ser humano o espelho de Deus, do Amor Universal.
Eu acredito que a Paz está ao alcance de todos nós, e que está no nosso caminho…
Aliás, alguns 'leit motif' da Poesia Árabe, e Persa, expressos nestas estrofes de Omar Khayyam, bem poderiam ser objecto de meditação –
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“Porquê inquietar-me por tão pouco? – perguntais.
A vida é breve: dois dias, e não mais –
Um foi o dia de ontem; de amanhã será o outro.
E é no vento que passa que eu vejo os seus sinais.”
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Um livro na mão, sob os bosques floridos,
Um naco de pão, e a bilha de rubis,
E tu para me cantares o Amor divino:
Que mais preciso para tornar o deserto em Paraíso…
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Logo de manhãzinha, mal as sombras fogem,
Em face d’Aquele que a Chave dos segredos detém,
Eu bebo a minha Taça, e Lhe peço
Que me conceda a Sua Luz, e todo o Bem
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É Primavera! É Ano Novo!
E os corações revêm, com amor,
Nas suas brisas, o sopro de Moisés,
As mãos de Jesus, nas suas flores.
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“Quando passa o siroco da Poesia pela janela
e da Fénix renascida pela porta entra a plumagem fulva
sem presságios nem
charola
abro os olhos à criança da manhã
que as mãos vazias
e o coração
consola “
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Copio, então, este breve excerto da obra citada, apresentado na contra-capa do livro:
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“Nunca um povo levou a um ponto tão alto e profundo a paixão religiosa: furibunda, ardente, meticulosa, capaz de subtilezas intelectuais, espantosamente argutas, ao interrogar e interpretar um texto sagrado, um rito ou uma lei. A relação com Deus, tal como a conhecem hoje cristãos e muçulmanos, é de origem quase exclusivamente hebraica.
Todos passámos pela Bíblia, pelo rosto múltiplo de Javé, pelos Salmos, por Job,
pela leitura escrupulosa dos textos sagrados, pelo sonho do Messias, pela espera do fim dos tempos. Por isso, em primeiro lugar, cristãos e muçulmanos odiaram os hebreus. Odeia-se sobretudo, os próprios pais e os próprios semelhantes.
Os judeus ensinaram aos cristãos e aos muçulmanos uma ideia perigosa: que a cidade de Deus devia ser vivida aqui e agora, com um rigor absoluto, na pureza das leis e dos ritos.
Nenhuma ideia é mais trágica; nenhuma causou mais desastres na história universal.”
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Informação complementar:
1)- http://www.archive.org/stream/lesoriginesdelap00darmuoft/lesoriginesdelap00darmuoft_djvu.txt
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BIBLIOTHEQUE ORIENTALE ELZEVIRIENNE
LES ORIGINES DE LA POÉSIE PERSANE
2)- Pietro Citati
“Israel e o Islão – As Centelhas de Deus”
Edições Livros Cotovia, Col. Ensaio, 2005
Tradução (aliás, excelente) de Luísa Feijó
A ver, também, a apresentação feita pelo site dos Livros Cotovia.
3)- Dr. Otoman Zar-Adusht HA’NISH
“Omar Khayamm dans ses Rubaiyat”
Traduit de l’anglais par Pierre MARTIN
Éditions Mazdaznan
Pour la France: Editions Aryana, s/d
4)- “O Monge e o Filósofo – O Budismo Hoje”
por Jean-François Revel e Mathieu Ricard
Edições ASA, Col. Documentos, 1998
pp 133 / 140
5)- As traduções dos poemas são minhas, a partir do Francês;
O último poema é um inédito meu.
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Myriam Jubilot de Carvalho
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Este texto foi publicado no meu antigo blogue, na 'categoria'
Estudos e Comunicações
Post publicado em 25 de Setembro de 2011
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