Escritor, jornalista, fotógrafo, ilustrador, cronista, correspondente de guerra, pintor... Dino Buzzati foi tudo isso e um pouco mais. Nascido em 16 de outubro de 1906 na pequena San Pellegrino (a 2 km de Belluno - Itália), Buzzati é cultuado no mundo inteiro. Muitas vezes foi comparado à Kafka, devido à solidão, o desencanto, o absurdo e o insólito em sua obra.
Buzzati estudou Direito, mas começou desde cedo a trabalhar em jornal, onde fez de tudo: ilustração, reportagens, crônicas, edição. Além disso, foi correspondente do Corriere della Sera na Segunda Guerra Mundial. Entre narrativas em prosa (contos, romances, crônicas, cartas, comentários) e poesia, escreveu cerca de 40 livros. Também escreveu 16 peças de teatro e 5 libretos de ópera.
Viveu em Milão grande parte de sua vida, mas sempre que podia ia com amigos caminhar nas montanhas e todo ano voltava a Belluno e aos vales silenciosos do Monte Schiara. É esse clima de montanhas misteriosas, precipícios inacreditáveis, abismos e solidão que transparece em seus textos desde seu romance de estreia O Barnabé das montanhas de 1933. As montanhas não são só uma insistente recordação, mas também o fundo de suas histórias. Em seu livro mais famoso O deserto dos tártaros, as rochas grandiosas, os silêncios profundos e a solidão constroem a narrativa do Soldado Giovanni Drogo.
Publicado em 1940, O deserto dos tártaros (243 páginas) foi reeditado pela editora Nova Fronteira, juntamente com o romance Um amor (de 1963) e os volumes de contos Naquele Exato momento (1963) e Noites difíceis. Este último foi publicado em 1971 e traz um tom mais sarcástico, que de certa forma antecipava o seu fim, pois Buzzati já sabia do seu câncer de pâncreas (doença que o matou em 28 de janeiro de 1972).
Buzzati serviu ao exército e saiu como Sargento. Essa experiência serviu para que escrevesse O deserto dos tártaros antes da Segunda Guerra. Segundo o autor, o romance veio num jorro numa madrugada quando voltava do jornal.
"...Caracterizado por um clima de profunda indagação filosófica, comparado desde o seu aparecimento a Kafka, trata-se de uma aguda reflexão sobre a inutilidade do poder. Mas enquanto o mundo do genial tcheco é fechado e maldito, a atmosfera idealizada por Buzzati não abstrai a possilibilidade da esperança - ainda que inútil. Ele sabe, como ninguém, fazer de sua alegoria uma verdade poética desconcertante.
O livro conta a desventura do oficial Giovanni Drogo, o qual, aos vinte anos, é nomeado, em seu primeiro posto, para o forte Bastiani, que se ergue imponente e solitário às margens abandonadas do 'deserto tártaro'. Drogo, que espera ficar ali poucos meses, aguardando uma transferência, vê a vida transcorrer sem que sua razão de ser se realize: transformar-se num soldado verdadeiro, conhecer a glória de participar de uma guerra que, tudo indica, não vai acontecer...."
Mas não é só sobre o poder que Buzzati indaga. Seria simplificar muito sua obra. Há uma reflexão sobre o tempo (o que fazemos da nossa vida? Assistimos apenas o passar dos anos como se fôssemos imortais?), sobre a atitude do ser humano frente a vida, sua relação com a natureza e a sociedade. Pode-se perceber também a complexa relação homem x cidade: Drogo acaba se isolando do mundo social/urbano na rotina do forte Bastiani. Interagir e viver o ritmo da cidade torna-se impossível para quem se afasta por um tempo e vive a solidão das montanhas.
"Numa belíssima manhã de setembro Drogo, o capitão Giovanni Drogo, mais uma vez sobe a cavalo a íngreme estrada que conduz ao forte Bastiani. Teve um mês de licença, mas após vinte dias já está de volta; a cidade agora se lhe tornou completamente estranha, os velhos amigos tomaram seu caminho, ocupam posições importantes e o cumprimentam apressadamente como a um oficial qualquer" (pág. 207).
O final do livro emociona os que acompanham toda a vida de Drogo dedicada ao forte. De uma certa forma nos remete aos dias atuais em que muitos se dedicam obstinadamente a objetivos ilusórios, passam sua juventude lutando por um sonho e deixam de viver a vida verdadeiramente. Depois da leitura podemos nos questionar: o que ando fazendo da minha? Pelo quê ando lutando? Em pleno século XXI, se ainda não temos respostas, pelo menos conseguimos formular mais claramente nossas perguntas...