"VIZINHAS: pequenos contos de rosas e outros espinhos", da escritora Itamara Almeida, minha conterrânea de Assú/RN.
Acabo de sair desse jardim cheio de rosas e espinhos extremamente tocado. Minha sensação inicial foi de levar imediatamente o livro para minha mãe lê-lo, especialmente o conto sobre “Açucena”. O silêncio, o esquecimento de si, o medo, a raiva da impotência e da mudança, são as emoções que me foram lembradas nesse conto, das tantas vezes que vi minha mãe-mulher enfrentá-las. E ainda enfrenta. Minha conterrânea, Itamara, fala dessas tão comuns histórias tristes de “mulheres vassouras, mulheres comidas, mulheres roupas lavadas, mulheres cama, mulheres sofás, mulheres decoração, mulheres enfeites, mulheres secretárias”. Suas palavras em prosa, da vida cotidiana, de seu cortiço, se derramam por entre nossos olhos, nosso peito, nossas mãos impotentes perante a indignidade e a injustiça social que vivem as mulheres e os ninguéns, como diria Eduardo Galeano. E são cortantes. Mas, não mais do que a bala que nos perfura e mata, “a bichinha tem culpa não!”, diz ela, já que coletivamente apertamos os gatilhos.
Em “Cravo Roxo”, vizinha de nº 7, quem surge nas páginas é a mulher de cabeça baixa, encurvada, que balbucia, geme, pois já não consegue falar a língua dos homens. Está mais do que certa, a eles não interessa ouvi-la! Sua face, quando erguida, é a do desespero. Quantas mulheres não querem sair correndo por aí revirando seu corpo, desamarrando duas dores, dançando com seu tormento? Mesmo assim, embora aceitem a morte, o único prazer que as obrigam merecer, como “Amarílis” elas cortam o frango do almoço do dia seguinte, num gesto de cuidado, talvez para despistar a morte, ou ainda agradá-la. Morreu como uma boa mulher, uma boa dona de casa, almoço feito, sem dar trabalho a ninguém.
Mas, sem dúvidas, de quem mais me aproximei foi de “Jacinto”, mulher de 20 poucos anos. Me tocou a sua abstinência, mesmo dos pequenos prazeres. O direito de viver o próprio gozo, a juventude, os supostos perigos, para alguns é motivo de renúncia. Lembrei-me das vezes em que quis beijar um homem, brincar de bonecas, brincar de sexo como as outras crianças, andar de mãos dadas, falar gesticulando, amolecer os quadris e as juntas, sentar de pernas cruzadas, usar batom, serpentear na areia, ficar em silêncio, chorar em paz. Só nos resta envelhecer, enrijecer. Aos poucos nos roubam de nós mesmos. Eu te entendo, Jacinto.