Queria ter medo do Homem da Areia
Se tivesse medo do Homem da Areia, talvez me deitasse e adormecesse logo. Desejaria eu que meus olhos recebessem com toda a força um punhado de areia, fossem arrancados e comidos? Claro que não. O remédio? Adormecer assim que minha cabeça ‘pousasse’, talvez não tão tranquilamente, no macio travesseiro. Adormecer!
Talvez fosse bom se eu conseguisse me manter mais no limiar entre a realidade do meu cotidiano e o fantástico; talvez fosse saudável um pouco do delírio que vem do estado semiconsciente e eu conseguisse obscurecer minha mente tão ‘iluminada’, tão ‘ligada’ no que pode ser explicado; talvez fosse bom viver por um tempo no reino do inexplicável.
Talvez, se tivesse medo do Homem da Areia, ao ver a cortina balançar levemente, criando na minha fértil imaginação um personagem sinistro lá escondido, pronto a me atacar... talvez esse medo fosse maior que as preocupações que me têm tirado o sono e eu adormecesse prontamente. Assim, não correria o risco de acordar sem olhos e ainda teria o privilégio de poder dizer: ‘dormi o sono dos justos, estou descansada, recuperada da labuta do meu dia e pronta pra enfrentar outro que nasce... renovada e revigorada’.
Ah se assim fosse...
Mas não é. A insônia me persegue noite após noite, e eu rio desse monstro que ‘perseguiu’ Natanael durante a sua infância, provocando nele os mais inquietantes pressentimentos, terríveis calafrios, mergulhando-o num mar de tensão e medo. Esse monstro não faz sequer cócegas em mim.
Um pouco de loucura talvez me fizesse bem... pelo menos no que diz respeito ao sono.
O conto fantástico, 'O Homem da areia’, foi escrito por Ernst Theodor Wilhelm Hoffmann (1776-1822), escritor, compositor e pintor alemão que fez parte do movimento literário romântico alemão Sturm und Drang; E.T.W. Hoffmann é um dos autores mais célebres da literatura fantástica mundial.
O pai de Natanael conta histórias à noite, antes de as crianças dormirem... quando a mãe as chamava para dormir, mencionava que o Homem da Areia estava chegando, ‘já podia ouvir seus passos’. A governanta alimenta a imaginação de Natanael, dizendo que esse homem era tremendamente mau, que caçava crianças que não queriam ir para a cama. Atirava areia nos olhos delas, pegava-as e as levava para a lua para que servissem de alimento a seus netinhos, seres idênticos a corujas.
O que pode fazer uma fértil imaginação: “as palavras e acontecimentos encontraram em Natanael terreno fértil para germinar, crescer e tomar a mente, a imaginação, as emoções, o corpo, a alma e a vida dele” (FLAUZINO, Valter, 2019).
Do texto, organizado em forma epistolar por meio de cartas que Natanael encaminha a seu amigo Lotar, ressalta-se aqui um aspecto interessante: o nome das personagens. O narrador introduz as personagens cujos nomes trazem uma simbologia: Clara – significa razão, iluminada; Natanael – em hebraico significa “presente de Deus”; Coppelius/Coppola – denotam buracos dos olhos e cubas para experiências alquímicas; e, finalmente, Olímpia – a que vem do Olimpo, linda, perfeita.
Rosângela – significa “rosa angelical”, “espécie famosa de anjo” ou “espécie famosa de mensageira”... 😉
HOFFMANN, E.T.A.. O homem da areia. São Paulo: Estação Liberdade. 2017.
FLAUZINO, Valter, 2019. Considerações sobre “O homem da areia”, de E.T.A. Hoffmann (1776-1822). https://sbprp.com/2019/03/29/o-homem-da-areia/. Acesso em: 9 nov. 2021.