“Se Esta Rua Falasse” - de JAMES BALDWIN
Uma das primeiras obras de James Baldwin, escritor estadunidense (1924-1987) – acaba de sair em tradução portuguesa, aliás, uma óptima tradução – "If Beale Street Could Talk" – "um dos seus melhores romances", segundo alguns.
Em SE ESTA RUA FALASSE, a 'acção' retrata o quotidiano no bairro de Harlem e a discriminação que continua a atormentar o dia-a-dia das vidas da população afro-descendente, nos EE UU – dando-nos uma ideia do que sejam a justiça – aliás injusta e desigual no que toca à população afro-descendente – e o ambiente e dia-a-dia nas prisões americanas.
A narrativa é apaixonante, e comovente. Nós, leitores, vivemos o drama do jovem par Tish e Fonny, e a luta de Tish para provar a inocência do seu namorado, injusta e arbitrariamente acusado e metido na prisão. Tish é secundada pela solidariedade da família.
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Esta obra é um importante documento contra o racismo nos EEUU.
A propósito, recordo o testemunho de Joyce Carol Oates, igualmente romancista estadunidense (nascida em 1938), numa entrevista de 2015:
Ela começa por propor uma questão que divide em dois tópicos:
=A população “branca” não se apercebe dos comportamentos devidos ao seu próprio racismo:
“O racismo branco é uma espécie de nuvem tóxica que se espalha sobre o nosso país, invisível para muitos ou para a maioria dos cidadãos de pele branca, mas terrivelmente visível para os negros e morenos”.
= Qual o efeito da passividade dos “brancos” em relação ao racismo que praticam:
“Podemos acreditar - com razão - que não somos racistas; mas a nossa passividade ou indiferença ao racismo dos outros torna-nos seus facilitadores”.
= Para depois desenvolver o seu testemunho, afirmando que “essa passividade reforça o racismo”:
“É impressionante saber que centenas de milhões de dólares são pagos anualmente em acordos judiciais para vítimas de brutalidade policial ou má conduta - e esses milhões são pagos pelos contribuintes. Com efeito, involuntariamente, ainda que não totalmente inocentemente, todos nós estamos apoiando a brutalidade policial e a má conduta. (1)” (sublinhado meu).
Numa outra entrevista, muito recente (de 2015), a mesma escritora afirma:
“Se você estiver atento à vida americana, estas coisas acontecem a toda a hora” (2)
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Entre a data da publicação de SE ESTA RUA FALASSE – 1974, e os referidos testemunhos de Joyce Carol Oates, recentes, de 2015, medeiam 41 anos, quase meio-século. E parece que os comportamentos da polícia – ou seja, de grande parte das consciências – ainda não evoluíram para melhor.
A história narrada em SE ESTA RUA FALASSE acaba de ser levada ao cinema e o filme foi apresentado no passado dia 9 de Setembro, no Toronto International Film Festival (3)
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Um livro de leitura obrigatória, como sói dizer-se.
James Baldwin foi “uma das vozes mais influentes do activismo pelos direitos civis” (4).
NOTAS:
(1): Complicit in racism
https://www.bostonglobe.com/opinion/2015/02/26/enabling-racism-police
brutality/aiZVVtBwS2HQM0CECqeHPN/story.html
(2) - Book Talk: Oates explores racial tensions in 'The Sacrifice'
https://www.reuters.com/article/books-authors-oates/book-talk-oates-explores-racial-tensions-in-the-sacrifice-idUSL1N0UU2MM20150205
(3) - VER:
https://en.wikipedia.org/wiki/If_Beale_Street_Could_Talk_(film)
(4) :
(...) Publicado pela primeira vez em 1974, “Se Esta Rua Falasse” é o quinto romance de James Baldwin, um dos nomes maiores da literatura americana do século XX e uma das vozes mais influentes do activismo pelos direitos civis. Um romance-manifesto contra a injustiça da justiça e uma história de amor intemporal, é hoje tão pertinente e tão comovente quanto no dia da sua publicação.
VER:
https://distopialivraria.pt/produto/se-esta-rua-falasse/
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Este texto foi publicado no jornal de Moçambique:
"O AUTARCA" Nº3577 - de 24 de Outubro de 2018
Myriam,
Outubro de 2021