MARÉS & MARESIAS ~ de FERNANDO REIS LUÍS
Prefácio à obra "Marés & Maresias",
do poeta português Fernando Reis Luís
Natural da província do Algarve,
Fernando Reis Luís faleceu recentemente.
Homenagem ao Amigo
O Homem e o Mar
“O mostrengo que está no fim do mar
Na noite de breu ergueu-se a voar”
Fernando Pessoa
Nesta colectânea, Marés & Maresias, Fernando Reis Luís, poeta algarvio, confirma-se como mais um poeta do mar, em Língua Portuguesa. O mar – que é tema natural dos povos que o têm por paisagem, cenário, e horizonte, e povoa a poesia portuguesa desde os seus primórdios medievais. A abrir a colectânea, um poema que lhe anuncia o percurso temático, uma viagem ao eu interior. No poema seguinte, Cabo Ocidental, desenha-se o promontório de Sagres e São Vicente.
Em 1929, um outro poeta algarvio, Cândido Guerreiro, dedicava uma colectânea de sonetos ao mesmo cabo – “Promontório Sacro”.
Há, porém, uma profunda diferença entre Marés & Maresias e Promontório Sacro. Neste último, o mar insere-se no imaginário colonial e imperial português, ainda ao gosto sobrevivente do Romantismo conservador. O mar é uma exaltação da grandeza da alma lusa, na linha da épica camoniana. É, assim, um tema exterior ao Eu poético, e uma explanação de mestria versificativa. Em Marés & Maresias, pelo contrário, o mar é metáfora e interiorização do tema da viagem, da aventura, do confronto com os monstros (mostrengos) que assaltam o desafio que é viver.
Na poesia de Fernando Reis Luís há uma interiorização da paisagem e do horizonte, e o mar torna-se essência e motor da linguagem poética. Enquanto em Camões e Cândido Guerreiro o mar foi um motivo épico, em Fernando Reis Luís o mar torna-se um motivo lírico – lírico no sentido etimológico, de criação poética de expressão subjectiva, destinada a ser acompanhada pela lira.
O verso de Fernando Reis Luís flui livre, e desenrola-se num caleidoscópio de vocabulário escolhido, embora de modo algum pretensioso; é uma navegação metamorfoseada em palavras. O barco – o sujeito poético – navega entre o mar e o céu, exaltando não só o desejo de aventura, mas a própria aventura de viver. Faz uma releitura dos eternos temas da efemeridade da existência humana, e da recordação da juventude, mas de forma pessoal, sem cair em tons de nostalgia. Mesmo o tema da viagem, quase obsessivamente repetido, nada tem a ver com as costumadas referencias à “gesta marítima” , reportando-se sim à viagem interior que só pode ter como porto de chegada a Sabedoria, num confronto entre o Homem e a sua força interior, com a Vida, como o Velho e o Mar de Hemingway.
De facto, já é mais que tempo de libertarmos a nossa alma colectiva dos mitos do Passado, e criarmos caminhos novos.
© Myriam Jubilot de Carvalho
15 de Novembro de 2014