It A Coisa
Foram sucessivas semanas dedicadas a desbravar as nuances de uma obra atemporal. Por longos anos preteri o desejo de encarar o maléfico Pennywise e suas mais de mil páginas. Até não haver mais como adiar esse momento, teria de enfrentar o maldito bufão a me aterrorizar desde a década de 90, quando Tim Curry, com performance emblemática, encarnou A Coisa na adaptação It – Uma Obra Prima do Medo.
It - A Coisa não desponta por acaso como um dos principais trabalhos de Stephen King. A narrativa rechaça o lugar comum, abdicando da possibilidade de meramente traçar a história de um assassino sobrenatural com cara pintada e roupas coloridas, embora essa perspectiva por si só já seja suficientemente tétrica.
O leitor é levado à fictícia Derry, em dois momentos distintos, separados por um intervalo de 27 anos, em 1958 quando Bill, Richie, Stan, Mike, Eddie, Ben e Beverly ainda eram crianças e em 1985, já adultos. Como já esperava, a trama é iniciada com o pequeno Georgie Denbrough trajando no dia tempestuoso sua imponente capa amarela, acompanhando o barquinho de papel parafinado singrando pelas águas pluviais. O irmão mais novo de Bill acabou tendo o infortúnio de ficar diante do aterrorizador Pennywise, que em grande estilo entrou em cena após imergir da escuridão, ostentando uma pletora de balões.
O assassinato da inocente criança desponta como o pano de fundo para iniciar de uma jornada épica, repleta de centelhas nostálgicas, desenvolvida ao mesmo tempo em que conjuga eventos após a morte de Georgie e na década de 80, quando a obra foi composta pelo mestre do terror. Com a alternância de períodos King consegue atribuir o caráter alinear à narrativa e sem pedir licença, remete ao leitor à condição de testemunha ocular de uma série de acontecimentos violentos, nos quais crianças e jovens desaparecem ou são trucidados por um homicida misterioso.
O conjunto de acontecimentos acarreta passagens verdadeiramente angustiantes, e esbanjando capacidade de suscitar reflexão sobre o mal por traz de Pennywise, um reflexo itinerante da natureza humana, hora capaz de ser mais pérfido e inclemente em relação à mal-ajambrada vilania.
No fim das contas, It é um imenso bodoque e os elásticos presos sobre as extremidades impulsionam a munição, capaz de sobrepor à psique dos leitores para tornar praticamente inexequível o anseio de abortar a narrativa, capaz de reverberar para fora do calhamaço, e em eclosão encontra eterna morada no âmago dos leitores.
Um dia, seguramente, dedicarei outras semanas para reler a vultosa obra. Um novo encontro já está marcado e enquanto esse apoteótico momento não chega, espero até lá que o palhaço me visite algumas noites, assombrando meus piores pesadelos. Estarei esperando, vestido no temor e armado de muito, muito encanto.