APRESENTAÇÃO


 

Permita o bardo lusitano que o espírito leia,

com olhos humanos, mais do que vê escrito.

 

 

Estrela que o vento soprou nasceu da compilação de textos publicados em sites de literatura, a partir do ano 2008. Neles, partículas da realidade surgiam diluídas nas cenas e cenários que se davam no campo, na cidade, numa ilha.

Concebida em distintos espaços geográficos, a obra passeia além da prosa, também na prosa poética, e no poema em prosa. E, embora a zona rural não seja o único palco de ação, muitos episódios ocorrem na fazenda Campo Grande em Juramento, no tempo em que aquele distrito de Montes Claros, acompanhava a trajetória de um próspero fazendeiro, mais tarde, brutalmente assassinado.

Consternada com a morte do marido, Corina mudou–se para o Rio de Janeiro e foi morar na Tijuca, que lhe remonta lembranças de Campo Grande. Lá, a viúva fala, saudosa, dos tempos em que morou na fazenda, e sua neta  conta, emocionada,  o que ouviu da avó, trazendo a lume episódios que vão da captura de uma índia, à caçada de onça; procissão, leilões; hábitos e costumes da família interiorana mineira.

Tudo como se o coração fosse um cofre de guardar recordações.

No princípio, as primeiras páginas mais pareciam braçadas a esmo. Pouca coisa. Nada mais que parágrafos desordenados e um emaranhado de ideias que necessitavam das mãos habilidosas de um artesão, para colocar a casa em ordem, ou ordem na casa. E mesmo não sendo biográfica, a neta do fazendeiro presta homenagem, não apenas a seu avô, o Coronel Generoso, mas por honra a ele, e com ele, também  a Zé Coco  e a muitos brasileiros de peso e medida nascidos no rincão brasileiro.

Temeu, no entanto, atropelar o aspecto temporal, ao tratar das modas de viola em Campo Grande, por achar que ainda não era hora de apresentar “Guaiano em Oitava”, porque o compositor só gravara aquela música no final dos anos oitenta. Tunico Oliveira assegurou, no entanto, que muito antes de gravar, Zé Coco do Riachão tocava seu guaiano por onde passava construindo cancelas e carros de boi, por encomenda de fazendeiros.

Fazimento.

O processo de construção do livro durou quatorze  anos e muita  batalha contra forças invisíveis, que queriam destruir a obra. Duas vezes, antes de ser publicada na forma impressa em papel, ela foi apagada.

Recuperada mais tarde,  graças às postagens fragmentadas que fazia em Sites de Literatura,  cuidou para que novos incidentes não ocorressem, e o arquivo passou a ser enviado para seu endereço eletrônico. Não fosse isso, teria perdido todos os seus escritos, pois o  Disco Rígido (HD) foi danificado, sabe lá por que ou por quem.

Nasce uma estrela

 

A intenção de Ravenala era narrar experiências de sua infância  e adolescência no Rio de Janeiro, e incluir, por acréscimo, a história de seu avô Batista Generoso, um fazendeiro chegado em Minas Gerais, por volta do ano de 1917, corrido da seca.

Mas...

Enquanto sob o açoite  das flechas de cupido a obra beirava as portas da biografia,  fatos novos transcendem as barreiras da temporalidade,  e abordam momentos vividos no além-túmulo.

 

E foi então que,  como nos contos de fada, ela contou...

 

 

 

 
 


 

Capítulo 1
 

Era uma vez um barquinho de nada

Viajando à deriva no mar da vida
 

Este barquinho és tu e sou eu.

Somos plural e singular um ser coletivo, e ao mesmo tempo, individual e único para Deus. Somos astros que em sua trajetória, deixam rastros de luz, ou apenas pegadas, logo varridas pelo vento.

Afinal, quem somos?
 

Esta indagação ecoa há milênios de anos.

Para o pensador, cujo nome não aparece nas linhas de seus escritos, somos o tudo e o nada, o todo e a parte. A vida e a arte, nas cores de uma tela; uma janela escancarada para o mundo, com os olhos voltados para o céu.

Somos uma grande colcha de retalhos, formada do tecido celular de muitas gerações. Temos esse pano velho plasmado nas entranhas: estampas e cores desbotadas do passado, presentes nesta colcha de retalhos que somos.
 

Somos um mistério.

Não um ser misterioso, mas um mistério a ser desvendado; uma vela acesa na tempestade, ou um barquinho à deriva em alto-mar. No todo ou na parte, viajamos no barquinho da vida, sem saber aonde chegar.

Foi assim que Ravenala começou a contar a história dela, que é também da avó Corina Flor de Lis Bomtempo, do avô Batista Generoso, do pai de Ravenala, do meu pai e do teu. Quem nunca se viu assim, revestido de memórias? Quantas histórias para contar!...
 

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Adalberto Lima - fragmentos de "Estrela que o vento soprou."