Comentário sobre o filme "Nostalgia", de Andrei Tarkovsky.

Já no começo do filme (de nome “Nostalgia”, de 1983, do cineasta Andrei Tarkovisky) o que me chamou atenção foi a dualidade entre sombra e luz logo nas primeiras cenas, onde a claridade e a escuridão (em mescla com a neblina bucólica) me fizeram ter a sensação de que a temática da trama trazia no âmago justamente esse prisma equivalente aos opostos.

Ainda dentro das primeiras impressões racionais, o fator silêncio e fotografia (com sua vasta amplidão nos horizontes quase infindos) trouxeram para à narrativa uma poética e peso singulares – o que de súbito, a intuição passou a indicar que aquela cosmovisão externa também estava representada dentro da psique das personagens - o que me fez recordar uma passagem do livro ‘O Grande Sertão Veredas’ onde jagunço Riobaldo, em suas profundas reflexões sobre a vida, chega a exclamar: “O sertão é dentro da gente”.

Passados os breves instantes em que a predominância da tentativa de decodificar o visto e o sentido ainda ecoavam em mim, logo veio a imersão (quase que sem julgamentos dos fatos em si) na narrativa, quando notei que o universo onírico se manifestou pela primeira vez, através de um sonho da personagem principal, Goncharov (Oleg Yankovskiy), que aliás, faz uma bela atuação, expressando, genuinamente, a melancolia idealista do poeta longe de sua nação.

Já no tocante aos diálogos, a profundidade não cessa, dando até a impressão que o não-dito acompanha cada palavra, cada acontecimento – e até mesmo nas cores gélidas dos aposentos do hotel em que o protagonista e sua tradutora se hospedam, há uma aura mística. Nas conversas entre o protagonista e Domenico, que aparece de “imprevisto”, existe um forte elo de insatisfação com o mundo, como também, uma intensa ligação no que tange a ideia de incompletude ansiando por integralidade humana. Há, entre os dois, uma espécie de desejo pelo retorno ao estado primitivo (de pureza) no ser humano, o que, ao meu ver, é uma das características que mais comovem no decorrer da trama.

O que me pareceu, ao fim do drama, foi que o espírito da obra, apesar dos fatos irem ocorrendo de maneira quase totalmente ilógica, há nela uma espécie de unicidade do princípio ao fim, em um desdobramento que resulta na epifania do acender da vela (no fim do filme) conforme a promessa feita – um momento grandioso.

Ao longo da narrativa, nomes como Guimarães Rosa, Dante Alighieri e Fiodor Dostoiévski surgiram, acredito que pela semelhança da temática dor e transcendência, que todos eles carregam com todo o talento e originalidade.

Sem dúvida, inquieta ou pacífica, desequilibrada ou sã, creio que a obra encanta qualquer um dotado de mínima sensibilidade. Gostei deveras da ideia de diálogo entre emissor e receptor que o diretor e o roteirista conseguem criar, induzindo, naturalmente, as reflexões que não cessam, fazendo de quem assiste, quase que um companheiro de labuta, que irá, junto com ele, decifrar o conteúdo de maneira praticamente subconsciente.

Baracho
Enviado por Baracho em 16/02/2021
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