Ainda sobre o Machado
Na sua biografia sobre Machado de Assis, a Lucia Miguel Pereira diz que, quando jovem, Machado já demonstrava uma virtude admirável: ele nutria admiração e amor sinceros pelos talentos dos seus amigos, jovens escritores que, assim como ele, nutriam a esperança de serem lidos e reconhecidos por seus trabalhos. Por volta dos vinte anos, em 1860, Machado, que então vivia com a madrasta, Maria Inês, nas cercanias do morro do Livramento, no subúrbio da Côrte, depois de abandonar a função de tipógrafo nas oficinas de seu amigo, Paula Brito, por influência de outro amigo, Quintino Bocaiúva -- o ferrenho republicano --, ingressou no Diário do Rio. Essa nova fase de sua vida resultou no amadurecimento do seu estilo literário, porque o jovem Machado, que antes só contribuía com periódicos estritamente literários, agora se viu obrigado a lidar com o grande público, a lidar com a política da Côrte, a opinar sobre as questões mais urgentes do seu tempo. No entanto, para além de favorecer o desenvolvimento do seu talento, o novo emprego, claro, possibilitou que o jovem deixasse o subúrbio e se transferisse para o centro fervilhante da capital do Império. Nesse momento de sua vida, Machado de Assis se viu próximo de novos e promissores talentos como, por exemplo, Cézar Muzzio, Ernesto Cibrão, Sizenando Nabuco e o próprio Quintino Bocaiúva. Manuel Antônio de Almeida, Casimiro de Abreu, Macedo Júnior e seu antigo empregador, Paula Brito, estavam mortos, ou morreriam em breve.
As letras nacionais testemunhavam o nascimento de uma nova geração. Nessa nova fase de sua vida, quando, finalmente, parecia alcançar uma melhoria significativa e experimentar um início de reconhecimento, Joaquim Maria revela um lado surpreendente de seu caráter: sua imensa generosidade. Ele não inveja os seus pares, antes os estima, os admira, os ajuda também. A pobreza, a mulatice -- que, naquele tempo, tinha um peso real para a superação das "classes" --, a gagueira, a epilepsia e, em suma, seus padecimentos da vida não foram, jamais, uma justificativa para que nele se desenvolvesse uma personalidade rancorosa, ressentida ou invejosa. Machado de Assis, apesar de ser acreditado ateu por alguns, professava exemplarmente o mandamento do amor ao próximo. Isto, somado ao seu caráter introvertido e observador, o coroou com o poder de compreensão da condição humana que o fez digno do título de nosso maior escritor.