CANTO POR ENQUANTO: DIZER AUDÁLIO ALVES
Por Ivonaldo Leite
Disse certa feita o escritor estadunidense John Steinbeck que, “quando uma luz se apaga fica, fica mais escuro do que se jamais ela tivesse brilhado.” Nos últimos dias, essa afirmação me veio à mente por duas razões diferentes, porém, relacionadas.
A primeira diz respeito à decisão de um colega de ofício de não mais continuar, digamos, “experimentando a grande insônia do mundo”. Por decisão própria, partiu. Sociólogo promissor, o Professor Thadeu Brandão, antes de se ir, contudo, gravou um vídeo a propósito da vida e da morte (aqui: https://youtu.be/hpkcLJ3sbKA), de onde se pode inferir, parece-me, um grau de amadurecimento na convicção de “passar ao ato”, pelo que, assim sendo, creio que a atitude deve ser vista como um ‘imperativo consciente de vontade’. Portanto, longe das habituais imputações de avaliação moral que são comuns em tais situações. Também sobressai do vídeo, penso, o significado vital das artes, em especial da literatura e da poesia.
A segunda razão incidiu sobre a lembrança dos noventa anos do nascimento do jornalista, advogado, escritor e poeta pernambucano Audálio Alves (1930-1999). Autor de obras como ‘Caminhos do Silêncio’, 'Princípio Áspero de uma Canção Sem Terra – Canto Agrário’, ‘Canto da Matéria Viva’ e ‘Canto por Enquanto’, Audálio, pouco antes de seu falecimento, em 8 de abril de 1999, fez um último pedido: queria encontrar os seus amigos de literatura da Academia Pernambucana de Letras. Aqui também, embora em um contexto de morte diferente do antes referido, está presente a dimensão vital da literatura e da poesia nos momentos derradeiros.
Avalizando Steinbeck na afirmação segundo a qual, “quando uma luz se apaga, fica mais escuro do que se jamais ela tivesse brilhado”, no caso da dimensão vital da obra de arte, vale dizer, por outro lado, que o seu valor ontológico faz resplandecer novamente a luz “que se ausentou” com a partida do seu autor. Assim, aporta-se sentido vital aos que ficam, são clareadas trilhas existencias do cotidiano e torna-se menos áspero o que existe de turvo nos dias. E então canta-se ‘por enquanto’, conforme está posto no título de um livro de Audálio, elevando-lhe à universalidade:
A primeira diz respeito à decisão de um colega de ofício de não mais continuar, digamos, “experimentando a grande insônia do mundo”. Por decisão própria, partiu. Sociólogo promissor, o Professor Thadeu Brandão, antes de se ir, contudo, gravou um vídeo a propósito da vida e da morte (aqui: https://youtu.be/hpkcLJ3sbKA), de onde se pode inferir, parece-me, um grau de amadurecimento na convicção de “passar ao ato”, pelo que, assim sendo, creio que a atitude deve ser vista como um ‘imperativo consciente de vontade’. Portanto, longe das habituais imputações de avaliação moral que são comuns em tais situações. Também sobressai do vídeo, penso, o significado vital das artes, em especial da literatura e da poesia.
A segunda razão incidiu sobre a lembrança dos noventa anos do nascimento do jornalista, advogado, escritor e poeta pernambucano Audálio Alves (1930-1999). Autor de obras como ‘Caminhos do Silêncio’, 'Princípio Áspero de uma Canção Sem Terra – Canto Agrário’, ‘Canto da Matéria Viva’ e ‘Canto por Enquanto’, Audálio, pouco antes de seu falecimento, em 8 de abril de 1999, fez um último pedido: queria encontrar os seus amigos de literatura da Academia Pernambucana de Letras. Aqui também, embora em um contexto de morte diferente do antes referido, está presente a dimensão vital da literatura e da poesia nos momentos derradeiros.
Avalizando Steinbeck na afirmação segundo a qual, “quando uma luz se apaga, fica mais escuro do que se jamais ela tivesse brilhado”, no caso da dimensão vital da obra de arte, vale dizer, por outro lado, que o seu valor ontológico faz resplandecer novamente a luz “que se ausentou” com a partida do seu autor. Assim, aporta-se sentido vital aos que ficam, são clareadas trilhas existencias do cotidiano e torna-se menos áspero o que existe de turvo nos dias. E então canta-se ‘por enquanto’, conforme está posto no título de um livro de Audálio, elevando-lhe à universalidade:
O Pássaro
Distingue-se do vento por ter asas
e cores impossíveis para o vento:
Voando pelo ar, vem livre e lento
unir-se à solidão de nossas casas.
Mas vento é, como disfarce e voo,
e bojo de canções arremessado
em plumas pelo céu, equilibrado,
que a vida de ser leve transformou-o.
Ou vento já não é, mas é aurora,
que uma aurora nas plumas permanece:
Pelos ventos da tarde a tarde esquece
e canta claro e leve como outrora.
Em pouco voará, cantando a esmo
a incerteza do céu e de si mesmo.
Cantiga da Terra Inútil
Vem a flor e vão-se os frutos
deslizando em terras planas,
como os dias vindos vão-se
dos celeiros das semanas.
Ninguém que os colha na cor
de seu destino diário,
que os tome e os multiplique
e lhes dê itinerário.
Daí que rochas contemplam-se
em seus diversos tamanhos,
e em derredor delas pastam
o silêncio e seus rebanhos.
Daí que fujo inconsútil
dessa para outra terra,
porque se toco em meu búzio,
— dele o canto sai inútil.
‘Poeta de Recife’, ou o ‘menino com raízes no agreste da sua Pesqueira’, como também se diz, Audálio marcou um estilo inconfundível na chamada ‘Geração de 1950’. Este 2020 dos noventa anos de seu nascimento é muito significativo da sua obra ‘Canto por Enquanto’, pois, por agora, ainda cantamos. Mesmo sob os vislumbres dos ‘caminhos do silêncio’. Diante dos quais, ‘atos conscientes de vontade’, como o apresentado no início deste texto, não podem ser submetidos a escrutínios de valoração moral dicotômica.
A arte, em geral, transcende perspectivas de vida unidimensionais e padrões existenciais cristalizados. É preciso dizer Audálio:
A arte, em geral, transcende perspectivas de vida unidimensionais e padrões existenciais cristalizados. É preciso dizer Audálio:
Mantenho a punhos fechados
o quanto posso
de espaço
recolher com as mãos abertas.