Na noite calunga do bairro Cabula- Ricardo Aleixo
Ricardo Aleixo, em sua biografia declara-se fascinado pela "poesia concreta’’. "Para o garoto negro e pobre da periferia, esse primeiro choque estético provocado pela poesia concreta se soma à descoberta de que era possível colocar toda essa engenharia poética/ criativa a serviço de coisas que em termos éticos, é preciso dizer’’, A poesia concreta ou social de Aleixo assemelha-se à poesia da "Geração Mimeografo’’ de 45, que buscava romper com a ideia tradicional da poesia sempre romântica e utópica, o ‘’movimento marginal’’, como também era chamado, ia além da visão intimista habitualmente conhecida, características presentes na obra de Ricardo Aleixo.
"Na noite calunga do bairro Cabula’’, que narra a chacina que matou doze jovens negros na periferia de Salvador- Bahia, especificamente no bairro "Cabula’’, em 2015, o autor utiliza a poesia como objeto social. Com linguagem simples e fácil de ser entendida, ele faz do texto uma denúncia ao acontecimento, e consequentemente, uma crítica. O poema é regado de metáforas, como no verso: ‘’morri quantas vezes / na noite mais rubra?’’ no qual ‘’rubra’’ diz respeito a todo sangue que escorreu na ‘’noite calunga’’.
Aliás, é interessante analisar a palavra calunga; várias são suas interpretações. A origem do termo é africana, ligada a religiosidade e entre os bantos, é a entidade espiritual que se manifesta como força da natureza; associada ao mar, à morte ou ao inferno. No poema, Aleixo faz de ‘’calunga’’ um adjetivo para o substantivo ‘’noite’’. A expressão ‘’noite calunga’’ pode ser entendida como a noite sem fim, noite imensa, traiçoeira, impune... O autor, de forma inteligentíssima joga com o significado das palavras e com a ambiguidade fazendo com que o leitor se questione a cada estrofe.
A força e o ativismo negro de Aleixo manifestam-se nesse poema. Nas décima quinta, sexta e sétima estrofes, menciona-se, metaforicamente, o ‘’silêncio/ de pedra e de cal / que despeja o branco / de sua indiferença / por cima da sombra / do que já não sou’’ [...], dando a ideia de contraste tanto com a escolha das palavras, quanto na semântica do texto. Contraste das raças, diferença social, a até então impunidade, ficam evidentes no poema. Apesar do concretismo ser sua marca registrada, surpreende a sensibilidade poética de Aleixo em ‘’Na noite calunga do bairro Cabula’’, o autor faz uso da primeira pessoa em todo o texto, se colocando no lugar daqueles jovens, eternizando-os em suas palavras afim de que eles não fossem esquecidos.