PESSOA E OS OUTROS EUS: PRIVADO DE UNIDADE
PESSOA E OS OUTROS EUS: PRIVADO DE UNIDADE
SETE DEZENAS de nomes diversos foram usados em subscrições de textos por Fernando Pessoa. Dentre todos os setenta sobressaíram-se os heterônimos Alberto Caeiro, Ricardo Reis e Álvaro de Campos. Fernando Pessoa, ele mesmo, nasceu em 13 de junho de 1888, Pessoa liderou o movimento modernista português ao dirigir a revista Orfeu.
ALBERTO CAEIRO, mestre dos demais criptônimos, teria nascido pouco depois, em 15/4/1889. Campesino órfão de pai e mãe, seus pensamentos e versos brotaram da natureza simples na vida no campo. Considerado mestre dos demais pseudônimos e de Fernando Pessoa, Ele Mesmo, Caeiro nutria gosto pelo épico das grandes navegações. Afirmava: “o rebanho são meus pensamentos... não há metafísica em nada pensar... Não tenho filósofos, tenho sentidos”. A poesia criada por sensações sem interferência de pensamentos. Teria falecido tuberculoso em 1915.
RICARDO REIS, supostamente nascido em 19/11/1887, no Porto, formado em medicina, exilou-se no Brasil após a Proclamação da República de Portugal. Associado à persona greco-latina de Fernando Pessoa e à cultura dos clássicos. Não se sentia à vontade integrando-se à natureza campestre, ao contrário de Caeiro. Sentia-se produto de uma sociedade decadente à beira da total desconstrução destrutiva. A destinação decadente de todos havia sido traçada de há muito, e nada restava senão viver a vida intensa mente.
ÁLVARO DE CAMPOS, nasceu em 15/10/1890 em Távora, engenheiro formado em Glasgow, não se garantiu na profissão por detestar a vida fechada em escritório. Autor associado à poética do mundo moderno decadentista, futurista e pessoal. Melancolia, tédio, monotonia e enfaro motivaram o estilo simbolista das obras na primeira fase (decadentista). Na fase futurista enfatizou a modernidade do tempo presente. No ciclo pessoal evidenciou o desagrado e a frustração com sua própria misantropia e desalento.
PERGUNTO-ME SE não seria pertinente afirmar que Pessoa, na pessoa de Bernardo Soares, autor do “Livro do Desassossego”, não teria carregado a cruz do sofrimento não padecido por toda a finidade da vida do poeta Pessoa, Ele Mesmo. Amargurado no limite da desamargura. Doando-se às sensações, por vezes ditas insanas, com sua sanidade de mestre.
EM SEU DESASSOSSEGO mostrou tolerar seu martírio e aflições como se estivesse apenas tomando um cafezinho numa mesa boêmia de um bar em Lisboa. A realidade da perversa idade do mundo na encarnação do magnetismo horrível proveniente do mapeamento do mundo do astral circundante. Como se estivesse a fazer uma viagem de circum-navegação não apenas em redor de um lugar, de uma ilha, de um arquipélago, mas em derredor do planeta.
FERNANDO PESSOA teria vivenciado a viagem (“navegar é preciso, viver não é preciso”) através do mapa mundi de seu ser de sensações a testemunhar a própria encarnação, como se fosse ela o recipiente de conteúdos malazartes aos quais deveria se adaptar. A ambientação à energia magnética horrível do mundo drummondiano dos Raimundos, era para ele impossível.
TALVEZ NÃO fosse possível para ele, Pessoa, libertar-se da proximidade da força de atração mórbida, da gravidade exercida pelos demais corpos que dele se acercavam como se fossem metáforas de uma angústia inominável. Pessoa, em seu “Livro do Desassossego” almeja desejar, mais que tudo, alforriar-se das labaredas que não paravam de queimar sua percepção de si mesmo e dos outros, na viagem de circum-navegação em companhia dos anjos do inferno.
FERNANDO PESSOA transmitia a sensação de estar a queimar nas labaredas insuportáveis do inferno. E não adiantava ele se desdobrar em outras personagens, em dezenas de heterônimos, quem sabe ao certo, em mais de uma centena deles (alguns biógrafos identificaram 127) porque todos eles estavam sob o signo da advertência inscrita como se fosse um epitáfio para todos os que nesse universo fossem nascidos: “Deixai Fora Toda Esperança, Vós Que Entrais”.