O cortiço (Aluizio Azevedo) - A GUERRA ENTRE CARAPICUS x CABEÇAS DE GATO: sentimentos antagônicos e convergentes

Por Herick Limoni*

No livro O Cortiço, Aluízio Azevedo descreve, tendo como cenário principal o ambiente que dá nome à obra, muitas e diversas situações do cotidiano brasileiro. Aquele cortiço, cujo dono é João Romão (herdou-o de seu antigo patrão), um português ambicioso que sonhava ficar rico, é uma pequena representação do processo civilizacional que ocorreu em nosso país, mas também em muitos outros. Naquele local residiam portugueses, italianos, negros, brancos, pardos, enfim, uma miscelânea de diferentes culturas, cada qual com suas características e peculiaridades. Seus moradores eram chamados de “carapicus”.

Como o estabelecimento de João Romão prosperava, não demorou para surgir nas cercanias de seu negócio outra hospedaria de baixo custo, cujos moradores eram chamados de “cabeças de gato”. Havia uma rivalidade entre os moradores de cada um dos cortiços. Tal qual em um ambiente de guerra, cada qual defendia o seu território dos inimigos (cada um dos grupos ostentava sua própria bandeira, sendo a dos “cabeças de gato” na cor amarela, enquanto a dos “carapicus”, era na cor vermelha). Esse ranço entre ambas comunidades tem seu ápice quando um dos integrantes dos “cabeças de gato” é assassinado por um dos integrantes dos “carapicus”. Ainda que não se soubesse quem havia cometido o crime, as suspeitas, certamente, recaíram sobre os membros desta comunidade, ensejando com que aqueles buscassem vingança. Apesar de todas as brigas e contendas, nunca se havia chegado a tal ponto.

Inflamados pela morte de seu compatriota, uma multidão seguiu em direção ao território carapicu, com suas bandeiras representativas e armas de guerra, a fim de vingar seu conterrâneo e subjugar os moradores do território inimigo. A bastilha romanesca seria, enfim, tomada. Contudo, tão logo chegaram próximos do local, depararam-se com o cortiço de João Romão em chamas, fruto de um incêndio provocado em uma das pequenas habitações, as quais eram tão próximas uma das outras – a ideia do português era aproveitar ao máximo o espaço disponível – que o fogo se alastrou rapidamente. E, nesse ponto, fica demonstrada uma das características mais marcantes do povo brasileiro: a solidariedade.

Ao presenciar o desespero daqueles que viam suas poucas coisas conquistadas a base de muito suor serem consumidas sem nenhuma cerimônia pelo fogo inclemente, os “cabeças de gato” se esqueceram do motivo pelo qual marcharam até ali, e puseram-se todos a ajudar naquilo que lhes foi possível. O episódio não arrefeceu a rivalidade, a inimizade, a antipatia que cada um dos grupos nutria pelo outro, mas demonstrou que a empatia com o próximo era um sentimento mais forte que qualquer outro, afinal, assim como os “carapicus”, cada um dos “cabeça de gato” também era humilde e havia conseguido suas coisas com muita dificuldade.

E esses sentimentos de solidariedade e altruísmo são extremamente influenciados pela empatia, que é a capacidade de se colocar no lugar do outro, de sentir a dor do outro. Estivesse ele mais presente na vida das pessoas, muitas guerras poderiam ter sido evitadas e muitas vidas teriam sido poupadas. Que o exemplo retratado pelo autor ecoe pelas gerações, a fim de que tal sentimento não se perca nas batalhas diárias contra a ganância, a ambição e o egoísmo.

*Bacharel e Mestre em Administração de Empresas

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