O SER POETA

Que eu saiba, até o presente momento não existe um manual que deva ser seguido para alguém se tornar um ser poeta. Neste texto, guiando-me pelas palavras da poetisa portuguesa Florbela Espanca (1894-1930) em seu poema intitulado “Ser poeta”, questionarei a existência e a essência do ser que transforma as palavras soltas em versos, dos mais simples até os mais complexos.

Pela minha própria experiência, não é fácil pegar as palavras dispersas e embaralhadas dançando na mente e organizá-las a fim de construir as paredes que enguem a casa, o poema. O ser poeta precisa espremer até a última gota do mar que sente e deixá-lo acessível para que os outros, que sentem sede, possam navegar, beber, engasgar e até se afogar. Ele, portanto, possui uma sensibilidade extraordinária, raramente encontrada espontaneamente nos homens. É doado tudo que existe dentro de si para ter êxito em lapidar e externalizar sua subjetividade.

Florbela Espanca faz uma comparação entre o que citei acima, o mar que o poeta sente, com “um astro que flameja”. Sinto-me no direito de atrever-me a constatar que o mar é quente, ele fervilha, arde, sendo composto por ondas infinitamente gigantes e marés oscilantes. Apesar da constante turbulência em seu interior, o ser poeta emana sua luz, irradiando-a para quem conseguir enxergar. Assim, ela pode viajar anos-luz de distância e adentrar os diferentes tipos de corpos sensíveis.

A inquietude faz parte da sua essência. O ser poeta está sempre em busca de algo, que Florbela Espanca traduz em seu poema como sendo “ter fome e ter sede de Infinito”. Infinito que faz se perder quem o adentra, mas que também norteia quem se sente em casa. Assim, as palavras formam múltiplos universos, capazes de abduzir quem as encara, proporcionando as mais diversas sensações.

Portanto, o ser poeta encontra na poesia um caminho digno para finalmente expor sua expressão, confissão e imaginação. Caminhos que ele trilha independente do tempo, dos obstáculos no chão, porque ele sabe que, quando chegar em seu destino, terá valido a pena cada passo dado e terá tirado mais um peso de suas costas.

Finalmente, convido o leitor a encarar a obra que tanto mencionei.

Ser poeta

Ser poeta é ser mais alto, é ser maior

Do que os homens! Morder como quem beija!

É ser mendigo e dar como quem seja

Rei do Reino de Aquém e de Além Dor!

É ter de mil desejos o esplendor

E não saber sequer que se deseja!

É ter cá dentro um astro que flameja,

É ter garras e asas de condor!

É ter fome, é ter sede de Infinito!

Por elmo, as manhãs de oiro e de cetim...

É condensar o mundo num só grito!

E é amar-te, assim, perdidamente...

É seres alma, e sangue, e vida em mim

E dizê-lo cantando a toda a gente!

Florbela Espanca