Menorme

Como um dos adeptos mais ferrenhos do magnífico lema do “l’art pour l’art”, sempre haverei de repetir veementemente até meu último dia de vida: arte e política não foram feitas para misturar-se. Que tem a arte a ver com as quimeras vãs da humanidade, que se fia nas promessas igualmente vãs de um bando de imbecis que se acham aptos a governarem um país de forma honesta e ilibada? Tanto é que, em 11 anos de carreira, nunca dediquei qualquer pensamento ao estado político deste país, tampouco demonstrei apoio ou apreço a qualquer candidato a qualquer cargo de qualquer orientação política, seja em meus escritos ou em minha vida pública.

Por todos estes anos relutei em revelar ao público minha verdadeira orientação política, porque não lhes seria de interesse, ou assim quero crer; pelo menos em minha acepção, um artista deve ser conhecido e julgado pela qualidade de seu trabalho, e não por qualquer ideologia que venha a defender – mas fui levado a abrir-me com o leitor ao relembrar-me de um acontecimento deveras incomodativo que veio a afligir-me no ano da última eleição, em 2018, e do qual nunca fui capaz de esquecer-me por ter-me ferido bastante; no entanto, a vida é breve, e não vejo por que não pronunciar-me a respeito finalmente, fazendo, quem sabe, a dor dissipar-se.

Antes de mais nada, confesso aos meus estimadíssimos leitores que, por grande parte de minha juventude, abracei um utópico e não muito bem embasado monarquismo – e saber disto já é o bastante. Como quase tudo nesta vida de vaidades que se desenrola sobre o Sol, nem ao menos isto levava muito a sério, e ria-me disto como de qualquer outra posição política; e é aqui que adentro de fato o tema do presente ensaio.

Travei relações amigáveis com muitos cantores no passado, e um deles foi o vocalista da mítica banda Zumbi do Mato, Löis Lancaster – até que, certo dia, rompeu ele sua amizade comigo por achar-me simpatizante do candidato do qual não gostava devido a uma de minhas piadas. Pois bem! Por mais tarde que esteja para explicar-me ante ele (e demasiado tarde!), desde que fui agraciado com o oneroso fardo de votar compulsoriamente, meu candidato sempre foi o monarca Nemo, o Branco, e assim haverá de ser sub specie æternitatis. O que me deixa mais entristecido em toda esta história, porém, é o quanto o respeitava e à sua banda!

O melhor modo de descrever o Zumbi do Mato é “Rogério Skylab sob efeito de esteroides”, e não é de admirar-se que este tenha sido muito influenciado pela banda. As letras do Zumbi do Mato são repletas de um divertido besteirol escatológico e, de todos os seus álbuns, “Menorme” é o mais emblemático e sólido (sendo apenas a estreia!), apesar do longo tempo de duração. O que mais gostava eu do Zumbi do Mato era poder defini-lo como fruto de uma orgia entre Skylab, Hermes & Renato, Mundo Canibal e “South Park” – mas quem diria que o Sr. Lancaster jamais saberá disto!

Não guardo, porém, rancor a respeito; que ele continue vivendo sua vida, e eu a minha, defendendo o candidato que lhe aprouver. Não tenho por que comprar briga a respeito de política com os outros; entretanto, por mais triste que seja, aquele velho ditado prova-se verdadeiro em determinadas ocasiões: “Nunca conheça os seus heróis”.

(São Carlos, 25 de novembro de 2021)

Galaktion Eshmakishvili
Enviado por Galaktion Eshmakishvili em 08/08/2020
Reeditado em 25/11/2021
Código do texto: T7029664
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