Aula Inaugural --Mario Quintana

“É verdade que na Ilíada não havia tantos heróis como na guerra

do Paraguai…

Mas eram bem falantes

E todos os seus gestos eram ritmados como num balé

Pela cadência dos metros homéricos.

Fora do ritmo, só há danação.

Fora da poesia, não há salvação.

A poesia é dança e a dança é alegria.

Dança, pois, teu desespero, dança

Tua miséria, teus arrebatamentos,

Teus júbilos

E, Mesmo que temas imensamente a Deus,

Dança como David diante da Arca da Aliança.

Mesmo que temas imensamente a morte

Dança diante de tua cova.

Tece coroas de rimas…

Enquanto o poema não termina

A rima é como uma esperança

Que eternamente se renova.

A canção, a simples canção, é uma luz dentro da noite.

(Sabem todas as almas perdidas…)

O solene canto é um archote nas trevas.

(Sabem todas as almas perdidas…)

Dança, encantado dominador de monstros,

Tirano das esfinges,

Dança, Poeta.

E sob o aéreo, o implacável, o irresistível ritmo de teus pés,

Deixa rugir o Caos atônito…”

É Mario Quintana, só isso já é poético, e sua obra é uma espécie de autobiografia, como ele mesmo definiu, e pode ser conferido no livro ‘Da preguiça como método de trabalho”: "Minha vida está nos meus poemas, meus poemas são eu mesmo, nunca escrevi uma vírgula que não fosse uma confissão”.__ Pode estar aí a mágica dos seus versos, esses não são produtos da inspiração, mas é a própria vida versificada, rimada, escançada, impressa e servida em cálice pra ser degustada, sorvida e saboreada por um enólogo profissional.

O poeta pertence à segunda geração modernista (1930-1945), que tem como marca mais relevante a reflexão sobre o mundo contemporâneo e a liberdade formal. No entanto, Quintana apresenta uma poesia mais individual, caracterizada pelo humor e pela simplicidade. Tinha um discurso poético extremamente econômico e disse certa vez à revista IstoÉ: “Exatamente por execrar a chatice, a longuidão, é que eu adoro a síntese”. __Mas era, na verdade, um silencioso falastrão quando o assunto era “despejar” sua vivência na arte de construir poemas.

Minha análise pede licença à memoria desse mestre para comentar algumas imagens intertextuais, comparativas e sinestésicas que me encantam nos versos de “Aula inaugural” , sem pretensão de me aprofundar no que de melhor ele fazia, pois falta-me competência. Meus comentários limitam-se numa leitura de fã da obra do Mário e a paixão pela poesia.

O título “Aula inaugural”, já me suscita a imagem daquele “sem luz”, o aluno; aula pressupõe aluno, do grego: lunus, luz , claridade esclarecimento. E lá estou eu, numa aula, e como (a)luna dedicada, buscando a luz e encantada com as imagens dos primeiros versos, dos mais de 15 mil da Ilíada, tão coesos, tão apaixonantes quanto o próprio romance do amor trágico entre Helena e Paris. Sou mais uma em catarse, entre o movimento da dança e o som da música tão bem regido e orquestrado pelo poeta que se mostra um mestre em história, um músico aclamado, um bailarino clássico.

É verdade que na Ilíada não havia tantos heróis...

Herói mesmo, é o poeta dando de fato uma Aula Inaugural, uma espécie de introdução à poesia, aos novos poetas, e aos amantes da arte de se expressar em versos..

Nesse poema, o poeta faz uso de um dos primeiros registros de poesia, a famosa Ilíada, escrito por Homero no século VIII a.C. Poema épico que narra o conflito entre gregos e troianos no último ano da Guerra de Troia.

“E todos os seus gestos eram ritmados como num balé”...

“Pela cadência de metros homéricos”.

O substantivo "Gesto", faz alusão aos versos. Assim, o poeta compara páginas e páginas de versos a um corpo de baile, ao ritmo de um balé. O som, a rima, a musicalidade, a cadência do poema. Tudo se transformando numa orquestra bem regida, ah, quantos séculos nos separam da Ilíada, usada e abusada no seu significado "homérico", pois a palavra se relaciona com o poeta Homero que é referência à grandiosidade fantástica da poesia universal “A Ilíada de Homero”.

“A poesia é dança e a dança é alegria”.

Dança, pois, teu desespero, dança.,

Tua miséria, teus arrebatamentos,

Teus júbilos “

Atente-se , leitor , o que diz o poeta: a poesia é “O solene canto um archote nas trevas”.

Para o leitor, nessa viagem poética, tanto se aprecia os versos quanto as notas musicais de uma melodia, que mistura Quintana com Homero, valsa com o xote, ateus e Deus, ao som de “Bravo” . __Feche os olhos, leitor, sinta a magia, veja a beleza da poesia e “Dança, com o encantado dominador de monstros”. O poeta ordena ao eu-lírico que transcreva, que busque a rima, a musicalidade, porque ser poeta é isso, buscar na linguagem quase o impossível: a sincronia com o desigual, um não sei o que que se faz luz no escuro, que não teme o abismo, pelo contrário, sente-se seguro, o poema se entende e comunga com bem e o mal. “O eu- lírico sabe todas as almas perdidas.”

E, Mesmo que temas imensamente a Deus,

Dança como David diante da Arca da Aliança.

Um duelo, no salão, entre o sagrado e o profano, a poesia desliza entre os pares que bailam , amanhã paga-se os pecados com orações, mas enquanto o poema não termina __ Baila, baila porque é tua sina__ e deixa rugir o caos atônito.

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Luzineti Espinha
Enviado por Luzineti Espinha em 04/07/2020
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