O CIÚME EM “DOM CASMURRO”, DE MACHADO DE ASSIS

Sobre a infinita polêmica que põe em dúvida a honestidade de Capitu, que nunca saberemos se traiu ou não Bentinho, trago aqui algumas considerações. O narrador, o próprio Bentinho, tenta persuadir o leitor quanto àquilo em que parece acreditar, como uma necessidade sua, na tentativa de provar o adultério. No entanto, há de se considerar que seu poder de convencimento é duvidoso, especialmente porque ao longo da obra é recorrente o fator ciúme.

Quando de sua ida para o seminário, por exemplo, impressionou-se com as notícias que teve de Capitu, trazidas por José Dias, agregado da família, personagem que inspira cuidado. Disse-lhe o homem: “aquilo, enquanto não pegar algum peralta da vizinhança, que case com ela...” (p. 90). Para Bentinho, se Capitu “vivia alegre, quando ele chorava todas as noites [...] é que já namorava a outro” (p. 90).

Já casado com Capitu, admite esse sentimento: “uma noite perdeu-se em fitar o mar, com tal força e concentração, que me deu ciúmes” (p. 141). Preocupava-lhe, explica, com o que poderia estar passando na cabeça da esposa naquele momento de distração.

O ciúme doentio o fazia observar a mulher à luz da definição que lhe dera José Dias (“olhos de cigana oblíqua e dissimulada”, que lhes teriam dado o diabo), e de sua própria personalidade, de homem inseguro e desconfiado. É o próprio Bentinho quem nos revela esse ciúme exagerado, apesar do filho e dos anos passados: “Cheguei a ter ciúmes de tudo e de todos. Um vizinho, um par de valsa, qualquer homem, moço ou maduro, me enchia de terror ou desconfiança” (p. 150).

No enterro de Escobar, a quem atribuiu, por fim, a paternidade de Ezequiel, acusando Capitu de traição, outra vez temos um Bentinho obcecado, que, mesmo chorando a partida do amado amigo, observa atentamente a mulher. E afirma que ela olhava fixa e apaixonadamente para o cadáver, em alguns momentos tal como a viúva. Decide cismar e pensar nas semelhanças de Ezequiel com Escobar, até a conversa sobre a separação, quando Capitu declara: “nem os mortos escapam dos teus ciúmes!”.

Quanto à semelhança do filho com o amigo Escobar, imagens vão se construindo na cabeça de Bentinho, paranoico com a ideia de ter sido traído, a partir de imitações que a criança faz, dos modos, gestos e atitudes, não só de Escobar, mas de outras pessoas (prima Justina, José Dias e Dona Glória). Mas Bentinho foi fundo na sua crença, passando a ver no menino a figura de Escobar, “até a voz, dentro de pouco, já me parecia a mesma” (p. 170), “era o próprio, o exato, o verdadeiro Escobar [...] a voz era a mesma de Escobar” (p. 182).

Bentinho chega a confessar o desejo de matar Capitu e Ezequiel: “quando nem mãe nem filho estavam comigo o meu desespero era grande, eu jurava matá-los a ambos, ora de golpe, ora devagar...” (p. 169). E cogitou, inicialmente, envenenar-se e, depois, fazê-lo a Ezequiel.

A esse homem débil, fraco e inseguro, que faz a denúncia, mas não esclarece se fora ou não traído, contrapõe-se uma mulher segura, especialmente para aquela época, assim descrita pelo próprio narrador: “Capitu era Capitu, isto é, uma criatura mui particular, mais mulher do que eu era homem” (p. 46). Seguimos no debate, então, já que Machado de Assis não nos revela o veredito, restando aqui o meu, sujeito a opiniões divergentes.

ASSIS, Machado de. Dom Casmurro. São Paulo: Paulus, 2002. (Coleção Nossa Literatura).

Maria Celça
Enviado por Maria Celça em 02/06/2020
Reeditado em 02/06/2020
Código do texto: T6965787
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