Análise da narrativa, personagem e espaço no poema “As Pérolas” De Lígya Fagundes Teles
Análise da narrativa, personagem e espaço no poema “As Pérolas”
De Lygia Fagundes Teles
Por, Bognar Ronay
A narrativa
Assim como é de praxe na modalidade do “conto” ele inicia-se abruptamente conduzindo o leitor a entender que a história não começa aqui. Algumas evidências que são fornecidas permitem o leitor a se situar no contexto. “Demoradamente ele a examinava pelo espelho” (TELLES, 1988, p. 49), através dessa atitude da personagem Lavínia que a primeira informação que abre o conto, é possível perceber que já estava se desenrolando a narrativa.
O diálogo em andamento entre ela e Tomás são fortes indicadores também. O narrador que a todo o momento atualizar o leitor dos fatos e dos pensamentos expressos das personagens. Ele vê e os reproduz afim de que fique evidente o entrelaçamento da narrativa.
A ociosidade, a miserável ociosidade daqueles interrogatórios. “Você está bem?” O sorriso postiço. “Estou bem.” A insistência era necessária. “Bem mesmo?” Oh Deus. “Bem mesmo.” A pergunta exasperante: “Você quer alguma coisa?” A resposta invariável: “Não quero nada.” (TELLES, 1988, p. 49).
Essa percepção da ociosidade vivida pela personagem Tomás, bem como a sua perturbação mediante o insistente interrogatório de Lavínia, percebe-se nas descrições do que é apresentado é fruto de um desenrolar anterior vivido entre ambos.
Ainda no início da narrativa o espelho caracteriza-se como elemento mediador entre as duas personagens “Agora era Lavínia que o examinava pelo espelho” (TELLES, 1988, p. 49), esse elemento era o meio pela qual ambos se examinavam ficando subentendido que nem um nem outros estava disposto a encarar. A tensão que acontece entre os dois é percebida também por esse elemento. Materializando a ideia de que quem vê a outra pessoa no espelho não está vendo a si mesmo, e no caso em questão, um via o outro literalmente, sendo assim, o espelho assume a peça essencial potencializador do caso em questão.
As personagens
Encontra-se nesse conto um número reduzido de personagens que são eles: Tomás, o esposo que é casado com Lavínia e Roberto, o suposto futuro companheiro de Lavínia, em virtude da anunciada possível morte de Tomás. Embora Roberto seja uma personagem que possui envolvimento somente passivo, o nome dele aparece como elemento perturbador, sempre que se toca no nome dele, o terror se instaura como se pode perceber no trecho a seguir
Era verdade, ela preferia ficar, ela ainda o amava. Um amor meio esgarçado, sem alegria. Mas ainda amor. Roberto não passava de uma nebulosa imprecisa e que só seus olhos assinalaram a distância. No entanto, dentro de algumas horas, na aparente candura de uma varanda… Os acontecimentos se precipitando com uma rapidez de loucura, força de pedra que dormiu milênios e de repente estoura na avalancha. E estava em suas mãos impedir. Crispou-as dentro do bolso do roupão. (TELLES, 1988, p. 51).
Tomás possuía o poder de impedir que esse possível encontro acontecesse, porém resignou-se e preferiu não o fazer. Dessa forma fica percebido o desequilíbrio psicológico que Roberto provocava entre o casal. A enfermidade que assolava Tomás também o fazia se sentir parcialmente incapaz, sem forças para se posicionar ativamente sobre o caso. O narrador dá uma pista evidente dessa situação “- Não, até que não… – respondeu ele. Seria triste pensar, por exemplo, que enquanto ele ia apodrecer na terra ela caminharia ao sol de mãos dadas com outro? Hein?… (TELLES, 1988, p. 50). Dessa forma, fica evidente a perturbação psicológica que é instaurada pela presença de Roberto no contexto.
Assim como no tópico anterior aonde o espelho é uma dos elementos mediadores situacionais, aqui a personagem Roberto assume essa mesma característica. Ambos se vêem atingidos por ele e não conseguem ter um diálogo franco. Da mesma maneira que eles não se vêem frente a frente ao espelho, também o diálogo em que o assunto principal é Roberto não conseguem ser transparentes um com o outro, “Cruzando os braços com um gesto brusco, ele esfregou o pijama nas axilas molhadas. Disfarçou o gesto e ali ficou alisando as axilas, como se sentisse uma vaga coceira. Cerrou os dentes.” (TELLES, 1988, p. 50). A impotência tropeça na barreira do silêncio na tentativa de se disfarçar.
O espaço
O quarto onde toda a trama se desenvolve é lugar atópico tanto para Lavínia quanto Tomás. É nesse local que ambos sofrem. O narrador deixa claro e evidente o sofrimento de Tomás por causa do espaço, ele chaga a dizer que o espaço se arremessa contra Tomás, tornando-o vítima do espaço em que ele está. Em uma de suas atitudes demonstra essa vivência
Vergou o tronco até tocar o queixo nos joelhos, o suor escorrendo ativo pela testa, pelo pescoço, a boca retorcida, “meu Deus!” O quarto rodopiava e numa das voltas sentiu-se arremessado pelo espaço, uma pedra subindo aguda até o limite do grito. E a queda desamparada no infinito, “Lavínia, Lavínia!…” (TELLES, 1988, p. 54).
Essa queda que o narrador se refere pode ser entendida como o desequilíbrio impotencial, amargo, sem controle vivido por Tomás ante a situação. Aqui, ele é passivo da situação é a vítima! Outros locais também são recorrentemente mostrados como: “o piano” (p.49) que primeiramente aparece como elemento estático, após ele é referenciado como contribuinte do espaço “Lá dentro o piano, sons melosos escorrendo num Chopin de bairro, as notas se acavalando no desfibramento de quem pede perdão, “estou tão destreinado, esqueci tudo!”(p.52).
A varanda apresenta-se como lugar de refúgio, mas um refúgio limitado onde silêncio é marcado por uma transfiguração sólida “Mas nem de rastros os sons penetravam realmente no silêncio da varanda, silêncio conivente isolando os dois numa aura espessa, de se cortar com faca.” (TELLES, 1988, p. 55). A escuridão da noite “E os dois, ombro a ombro, palpitantes e controlados, olhos fixos na escuridão.” (TELLES, 1988, p. 55) bem como o lugar sombrio e a pouca luminosidade do local “A varanda, floreios de Chopin se diluindo no silêncio, vago perfume de folhagem, vago luar, tudo vago. Nítidos, só os dois, tão nítidos. Ta exatos.” (TELLES, 1988, p. 56).
A alusão de Tomás aos ratos existentes na pensão onde outrora havia morado, “Tinha muito rato numa pensão onde morei. De dia ficavam enrustidos, mas de noite se punham insolentes, entravam nos armários, roíam o assoalho, roque-roque.” (TELLES, 1988, p. 55), a insistência dos ratos era semelhante ao sofrimento que o perseguia e insistia em assolá-lo diante daquela situação.
Considerações finais
O conto “As Pérola” é um dos que compõem a lista dos 20 melhores contos de Lygia Fagundes Telles. A autora esbanja criatividade ao construir uma trama tão aprofundada que consegue surpreender leitores e pesquisadores. É praticamente impossível materializar essa dimensão de produção, pois a cada vez que se propor em analisá-lo, se manifestará como uma nascente que não se esgota.
Dessa forma, essa pequena análise não tem o objetivo de dar conta de todo o corpo significativo e analítico do conto, mas é uma das óticas que pode ser usada para fazer essa leitura.
Referência Bibliográfica
TELLES, Lygia Fagundes. Os melhores contos. Ática, São Paulo: 6 ed.1988.