A voz da Gente (Mangueira, 2020)
Não sei qual é o melhor modo de medir a redução das desigualdades, de verificar como estamos lidando com os abismos históricos. Mas penso que a capacidade de falar, de se expressar e, mais importante, de narrar, contar sua visão, e ser ouvido, é um bom critério. Se houver só uma história, reproduzida por todos, é sinal de que apenas um narrador prevaleceu, volume máximo, outras vozes abafadas, caladas, esquecidas, inaudíveis.
Mesmo que o narrador branco, rico e velho continue falando bastante e alto nas TVs, rádios, grandes empresas, gabinetes, jornais etc., um pancadão (ou batuquejê) toma força, ganha volume, e interrompe o discurso do coroa. No meio da prosa monótona, burocrática, arcaica, ouvimos música, poesia, vemos dança, arte e outras versões da história, contadas como “o avesso do mesmo lugar”.
“Favela, pega a visão” (e a bateria vira de samba pra funk), fala a Mangueira. Canta, dança, atravessa a avenida, a cidade, os noticiários. Não é de hoje que vozes se destacam, mas de 2015 pra cá, a Estação Primeira se fez ouvir quando c(a/o)ntou “Brasis”, “a história que a história não conta”, com “rosto negro, sangue índio, corpo de mulher”. Se agora (2020) os versos trouxeram o evangelho segundo o pessoal do buraco quente, há 5 anos eles avisaram que “a nossa Maria não é brincadeira/ É raça, é fibra, é jequitibá!”.
Como no “Auto da compadecida” (A. Suassuna), a Mangueira, em 2015, chama a mulher, “rainha”, “guerreira”, “vovó”, “mãe do samba que dança pro seu orixá”, citando D. Neuma e D. Zica. Como sempre, dá um salve pras baianas, saravá! Tá na história do samba: as baianas lá da origem, como as ganhadeiras, que lavaram a alma da Viradouro este ano.
Nos anos seguintes, até o “Jesus da Gente”, cantou sobre M. Bethânia, sincretismo religioso, avisou que “com ou sem dinheiro” ia brincar e, ainda, deu a letra sobre o “sangue retinto pisado / atrás do herói emoldurado.” Não é só uma voz. É pegar a narrativa, é falar dos seus “heróis dos barracões”, “um país de Lecis, Jamelões”. “Brasil, meu nego,” ouça o que a Mangueira tem pra contar…
Não sei qual é o melhor modo de medir a redução das desigualdades, de verificar como estamos lidando com os abismos históricos. Mas penso que a capacidade de falar, de se expressar e, mais importante, de narrar, contar sua visão, e ser ouvido, é um bom critério. Se houver só uma história, reproduzida por todos, é sinal de que apenas um narrador prevaleceu, volume máximo, outras vozes abafadas, caladas, esquecidas, inaudíveis.
Mesmo que o narrador branco, rico e velho continue falando bastante e alto nas TVs, rádios, grandes empresas, gabinetes, jornais etc., um pancadão (ou batuquejê) toma força, ganha volume, e interrompe o discurso do coroa. No meio da prosa monótona, burocrática, arcaica, ouvimos música, poesia, vemos dança, arte e outras versões da história, contadas como “o avesso do mesmo lugar”.
“Favela, pega a visão” (e a bateria vira de samba pra funk), fala a Mangueira. Canta, dança, atravessa a avenida, a cidade, os noticiários. Não é de hoje que vozes se destacam, mas de 2015 pra cá, a Estação Primeira se fez ouvir quando c(a/o)ntou “Brasis”, “a história que a história não conta”, com “rosto negro, sangue índio, corpo de mulher”. Se agora (2020) os versos trouxeram o evangelho segundo o pessoal do buraco quente, há 5 anos eles avisaram que “a nossa Maria não é brincadeira/ É raça, é fibra, é jequitibá!”.
Como no “Auto da compadecida” (A. Suassuna), a Mangueira, em 2015, chama a mulher, “rainha”, “guerreira”, “vovó”, “mãe do samba que dança pro seu orixá”, citando D. Neuma e D. Zica. Como sempre, dá um salve pras baianas, saravá! Tá na história do samba: as baianas lá da origem, como as ganhadeiras, que lavaram a alma da Viradouro este ano.
Nos anos seguintes, até o “Jesus da Gente”, cantou sobre M. Bethânia, sincretismo religioso, avisou que “com ou sem dinheiro” ia brincar e, ainda, deu a letra sobre o “sangue retinto pisado / atrás do herói emoldurado.” Não é só uma voz. É pegar a narrativa, é falar dos seus “heróis dos barracões”, “um país de Lecis, Jamelões”. “Brasil, meu nego,” ouça o que a Mangueira tem pra contar…