A darker shade of evil
Durante minha juventude, o que me atraiu à cena do black metal foi a fascinação que tinha com um certo tema: o Mal literário. Uma de minhas grandes pretensões era poder cantar de forma bela o Mal tal como Milton pintou a Satã, Goethe a Mefistófeles e Lautréamont, superando aos outros dois, lançou seu Maldoror para poluir as alegrias do mundo.
Não é para menos: a esta altura, todos devem estar cientes da tétrica história da cena do black metal norueguês, e dos incêndios e assassinatos a ela inerentes. Foi uma temática que muito me interessava, estética e liricamente – até ter eu constatado que mesmo numa cena como a do black metal o Mal é empregado unicamente para fins de shock value, e a temática lírica é, quando muito, restrita a satanismo, anticristianismo e paisagens invernais. Quando isto aconteceu, sepultei em meu ser o black metal e parti para novas paragens.
Em meio a todas as bandas do gênero, porém, há uma que se destaca por ser completamente diferente de tudo que a cena havia parido até então – mesmo entre os mais puristas, divide opiniões, e não chegou a alcançar o mesmo sucesso de suas companheiras ao decorrer do auge da cena. Mesmo eu a acho deveras destoante se comparada aos clássicos Burzum, Mayhem e Darkthrone, que haviam lançado então seus melhores trabalhos – refiro-me ao Fleurety, que em 1994 lançou o breve EP “A darker shade of evil”.
As três faixas deste EP são o suficiente para deixar o ouvinte em extremo estado de choque: guitarras velocíssimas, uma bateria pulsante e letras – que não são bem letras. Os vocais são gritos, gritos agudos, estridentes, que parecem vir de uma alma torturada no mais fundo círculo do Inferno e que não transmitem nada fora a adstringência do Mal. Com seu pequeno tamanho, este EP demonstra o Mal em sua forma mais crua e bestial, sendo por isto mesmo merecedor do título que carrega, e uma pérola oculta que muito poucos podem considerar bela e apreciar seus encantos letais.
(São Carlos, 19 de maio de 2023)