"Coringa" não é um mero Príncipe do Crime (Análise SEM SPOILERS do filme "Joker", 2019)

[Sim, não haverá spoilers! Texto para pessoas que gostam e possuem hábito de leitura. Aproveite!]

BONIS NOCET QUI MALIS PARCIT

Talvez essa é uma frase possível para "Coringa" (Joker), interpretado soberanamente por Joaquin Phoenix, dirigido por Todd Phillips e escrito pelo diretor com Scott Silver.

"Quando os maus são poupados, os bons são ofendidos". Mas quem são as boas e as más pessoas? Aqui a frase não é num aspecto teológico e o filme não tem essa pretensão. Isso é algo a ser respeitado, senão, perdemos o ponto do filme.

E qual é a grande questão? Pessoas de má índole na sociedade, utilizando-se da força bruta, do poder econômico e político, do poder midiático, atingindo sem caridade as pessoas que procuram, unicamente e de forma honesta, tentar (sobre)viver consigo mesmo, ter como cuidar de quem ama, desejar perseguir seus sonhos. A coisa piora com pessoas sensíveis, de baixa autoestima, de personalidade introvertida. Assim, o que acontece quando pessoas aparentemente intocáveis ultrapassam os limites do outro e realizam atitudes, falas, gestos que zombam, ignoram, agridem - física e psicologicamente - pessoas desse último grupo que mencionei?

"Joker" é o resultado disso. Quando poderes humanos são utilizados para a destruição do outro, a reação esperada é a mesma. Na verdade, pode ser muito pior do que se pensa ou se pode imaginar.

Não, não estou "inocentando" o Coringa. Coringa não é um agente inocente. Mas alguém puxou o gatilho antes dele. Alguém também precisa ser responsabilizado com ele. Quem seria o "pior Coringa" nas máscaras sociais que usamos: o Coringa como é conhecido no filme ou aqueles - também no filme - que desconsideram a humanidade do outro em função da mídia, do dinheiro, do poder?

Alguns "Coringas" que surgem aí na vida real, será que não são, também, pessoas que falharam, além de todos os seus esforços, para aguentar as pancadas diárias e continuar vivendo?

Pensa que exagero?

Só vou lhe dizer uma coisa: numa cena de violência brutal do Coringa, poucos segundos depois quase <<todo>> o público que assistia o filme comigo simplesmente RIU da reação de medo de outra possível vítima, diante do Coringa sentado com sangue no rosto, próximo do corpo morto, que estava no seu típico humor negro. Logo após matar alguém brutalmente. Isso demonstra que aquele público acredita que a risada do Coringa é, de fato, uma comédia. Que ele é alguém a ser tratado como um amigo comediante quando, na verdade, a risada do Coringa é a declaração para o mundo da atitude descompromissada dele com qualquer sentido real de vida - dele e de outros! A visão de mundo dele tem uma função típica para sua risada: eu amo a morte e amo matar pessoas. É um hedonismo homicida, caótico, para além de qualquer sentimento filosófico de existencialismo - embora a atitude dele seja existencialista.

Não é curioso que pessoas deem risada após uma morte brutal nas mãos de um homem que nada tem a perder, cuja risada é seu grito de guerra contra tudo e todos os seus inimigos, antes de matar impiedosamente o outro? E não faziam muitos minutos a respeito do retrato psicológico do personagem ser desvelado de forma detalhista que essas risadas no cinema surgiram! É incrível!

Será que essas pessoas não captaram ainda que o Coringa é louco, mas, não é comediante? Ele é um homem profundamente frustrado e sua única realização é pensar e agir em violência brutal. O argumento do filme traz isso desde o início. Algumas questões sobre o tratamento positivo do outro, como o amor, a compreensão e o diálogo (tão raro esse último, hoje em dia), ajudou o personagem em algumas cenas a manter sua sanidade. Quando tudo isso se exaure, a violência da força bruta é o que resta. Daí a menção da atitude de quase todo o público na sessão que eu fui: demonstra que foram para se divertir - tudo bem! - mas não para observar que o filme é uma narrativa sobre pessoas más, mantidas impunes no meio social, diante de pessoas psicologicamente sensíveis que se tornam vítimas daquelas primeiras. Por isso que o filme pode, sim, ser compreendido equivocadamente por pessoas que podem se identificar com o personagem do filme. Sim, é possível. Mas o filme retrata como deve ser ilustrado o argumento, isso é inegável. Retirar a violência do filme é torná-lo sem sentido no que quer exemplificar. Acredito, inclusive, que a sanidade dele é algo a ser pensado: é voluntária ou involuntária? Há um momento no filme bem sutil, onde o Coringa realiza o primeiro assassinato com aparente controle e propósito. Como interpretar as atitudes dele? São puníveis com um manicômio ou com a prisão tradicional? Ou de outra maneira?

"Joker" é, dessa forma, animalescamente arrebatador, questionador, perturbador... talvez, quase se confundindo o mundo cinematográfico e o mundo real. Uma obra cinematográfica de altíssimo nível. Há inúmeras áreas que podem contribuir para pensar a respeito e vários detalhes a se questionar. Porém, uma coisa é certa: se você se atentar para a risada, você se distrai com ele e perde o fio... de sua navalha.

ALIVAVILA
Enviado por ALIVAVILA em 06/10/2019
Reeditado em 07/10/2019
Código do texto: T6762938
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