Bacurau: uma cidade a um “17” de distância do “sul maravilha” 
(sem spoilers)

 
Criado e dirigido por Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles, o filme Bacurau é sobre um “novo” oeste, ou melhor, um oeste de um futuro próximo, com muitas referências ao faroeste - western ou “nordestern” -, sem deixar de enveredar por outros gêneros, como suspense, ação, gore etc. “Definir é limitar” e o longa está além destas classificações mais comuns.

Na tela, a protagonista é a cidade de Bacurau, onde observamos quem ali vive, convive e resiste. O lugarejo do longa não existe, mas a cidade de Barra/RN, sim, e é de lá que vieram muitas das pessoas que aparecem no filme. Por isso, e também pela escolha dos atores principais, a produção conseguiu respeitar a representatividade bem como os tons, os sotaques e a linguagem locais, apresentando personagens de todas as cores e orientações sexuais.

O filme consegue colocar Bacurau como personagem, coletivamente, o que o distingue das grandes produções enlatadas, que costumam dar destaque a heróis considerados individualmente. Com homens, mulheres e uma personagem pós-gênero, a trama não apresenta um herói (indivíduo). Pelo contrário, o tempo todo evidencia-se a ação coletiva, deixando claro que a união do povoado é pedra fundamental e a argamassa da história que está sendo contada. De forma bela e original, o heroísmo é atribuído ao coletivo.

Logo no início do filme, vemos a estrada que leva ao povoado e há um “close” numa placa, onde se lê: “BACURAU, 17 KM, SE FOR, VÁ NA PAZ”. Surge a dúvida: Bacurau está à distância daqueles habitantes do “sul maravilha”[1] que apertaram nas urnas o número 17, do partido do atual presidente do Brasil? Ou foi só uma distância qualquer, sem outras intenções?

O fato é que até no trailer esta placa aparece em destaque e mostra um número que marcou a polarização política nas eleições de 2018, não custando lembrar que o Nordeste foi a região que onde o presidente de extrema direita teve menos votos.[2]

E a mensagem da placa tem muito a ver com o enredo do filme, que mostra a cisão entre as regiões do Brasil e os preconceitos daí decorrentes, assim como a relação dos brasileiros com estrangeiros. Tudo isso numa espécie de jogo (game) bastante simbólico.

Filme espetacular. Recomendo demais.

PS. Para quem já assistiu, deixo a seguir o link para minha análise mais completa sobre o filme: http://ecosprosaicos.blogspot.com/2019/10/lunga-vive-novo-oeste-na-caatinga-uma.html

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Notas e referências:

[1] “Sul maravilha” é uma expressão usada por Henfil em sua obra. Segundo Seixas (1996), “’sul-maravilha’ é apenas mencionado pelos personagens, sem ter existência real nas histórias: assim como o Brasil divulgado pela grande imprensa era apenas uma fantasia, para o homem do interior brasileiro as cidades grandes de Rio e São Paulo configuravam-se como um sonho distante e inalcançável ou então como uma realidade sufocante e esmagadora”. Fonte: https://www.revistas.ufg.br/VISUAL/article/download/35294/22478/

[2]https://g1.globo.com/politica/eleicoes/2018/eleicao-em-numeros/noticia/2018/10/08/eleicoes-2018-o-peso-de-cada-regiao-do-brasil-na-votacao-para-presidente.ghtml

Trailer de Bacurau: https://youtu.be/1DPdE1MBcQc

Ficha técnica do filme:
Nome Original: Bacurau
Cor filmagem: Colorida
Origem: Brasil e França
Ano de produção: 2014
Gênero: ação / suspense / western
Duração: 132 min
Direção: Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles