NADA MAIS DO QUE TUDO.... RODRIGO JANOT
" CAPÍTULO 17
No coração das trevas (ou o dia em que a
Lava Jato fisgou o presidente da República)
O discurso de combate à corrupção ganhou o coração das
multidões. No início de 2017, o futebol já não era o ópio do
povo, como costumavam dizer críticos na época da ditadura
militar. Nos bares, era mais fácil ouvir comentários sobre uma
nova etapa da Lava Jato do que sobre a safra de craques que
Tite levaria para a Copa do Mundo da Rússia. Vestais da
política e do empresariado estavam sendo investigadas,
processadas, condenadas e presas. As delações da Odebrecht
haviam sido uma hecatombe que atingira influentes líderes
políticos, dos mais diferentes quadrantes ideológicos.
Ninguém poderia dizer que, em Brasília, a moral da Lava Jato
era seletiva. Com três anos e meio no cargo de procurador geral da República, eu já me preparava para o fim do meu
mandato, em 17 de setembro de 2017.
Um jornalista chegou a
me dizer que eu poderia pendurar as chuteiras. Nenhum outro
procurador-geral fora tão longe em investigações criminais
contra políticos. Nenhum outro, no futuro, teria margem de
manobra para repetir uma obra de tamanha envergadura.
Mesmo porque, com tanta gente poderosa machucada, quem
ousaria novamente cruzar a linha entre o público e o privado?
Quem, nas altas esferas do poder, se atreveria a botar a mão
na cumbuca pública, num momento em que a caça a corruptos
federais tinha se transformado no esporte nacional?
De fato, eu acreditei que tínhamos virado uma triste página
da nossa história. Até o dia em que Pelella e Sérgio Bruno
entraram na minha sala com os olhos arregalados.
“O que houve?”
, perguntei.
Problemas na sala Teori Zavascki não faltavam, mas os
meus colegas pareciam alarmados além do normal.
“Ouça isso aqui. Batemos no teto, batemos no teto! Você
nem faz ideia do que tem aqui!”
, disse Pelella.
Dessa vez, nem fui para casa, como fazia antes, quando
precisava analisar casos mais sensíveis. Wilton Queiroz, um
dos promotores do grupo, apareceu com um laptop, um pen
drive e um fone de ouvido. O nome de Queiroz não aparece
nos cabeçalhos dos interrogatórios, tampouco nos jornais. Ele
era nosso “chefe de inteligência”
, o responsável por coletar,
qualificar e armazenar dados que, mais tarde, dariam
substância às linhas de investigação. Com longa experiência
no Ministério Público de Brasília e na própria ProcuradoriaGeral, ele sabia o que estava dizendo.
“Você vai ter que ouvir esse ‘trem’ já!”
, ele disse.
Fui para uma pequena sala do meu gabinete, batizada de
“farmacinha” (mais adiante explico por quê), fechei a porta e
ouvi as primeiras frases registradas no áudio.
“Não pode ser! É o presidente da República!”
, exclamei.
Interrompi a sessão e chamei os três à salinha.
“Esta pessoa que está falando aqui é a pessoa que eu estou
pensando que é?”
, perguntei.
Era óbvio o nome do personagem, mas eu tinha que
perguntar. Sim, era o presidente da República. Ele havia sido
gravado numa conversa com o empresário Joesley Batista, um
dos donos da holding J&F, controladora da JBS. O diálogo fora
gravado pelo próprio Batista, um bilionário de fala caipira,
num encontro furtivo no subsolo do Palácio do Jaburu,
residência oficial do vice-presidente da República. O encontro
se dera tarde da noite, algo entre 22 e 23 horas, em 7 de
março, menos de dois meses depois da homologação da
delação da Odebrecht.
Na conversa, Batista narra as façanhas que vinha
realizando, em meio ao turbilhão da Lava Jato, para escapar
das investigações da Operação Greenfield, conduzida pelo
procurador Anselmo Henrique Cordeiro, da Procuradoria da
República do Distrito Federal.
O empresário insinua a
manipulação de um juiz federal e o suborno de R$ 50 mil
mensais a um procurador da República. Tudo isso diante de
comentários lacônicos, mas aprovadores, do interlocutor.
Num outro trecho, ele fala sobre Eduardo Cunha, um dos
principais aliados do presidente, que estava preso em Curitiba
e, de vez em quando, ameaçava fazer delação. A conversa
sugeria que o empresário estaria repassando dinheiro a Cunha
e a outro preso, Lúcio Bolonha Funaro, para que os dois não
fizessem acordo de colaboração.
“Eu estou de bem com o Eduardo”
, confidencia Batista.
“Tem que manter isso, viu?”
, responde o presidente.
“Todo mês”
, acrescenta o empresário.
E a conversa segue num zigue-zague medonho. Não por
causa do sotaque carregado do ricaço da J&F, que fala como se
estivesse lendo Guimarães Rosa de trás para a frente, mas
pelo conteúdo do diálogo. Batista reclama que, com o aperto
das investigações sobre o ex-ministro Geddel Vieira Lima e
com as dificuldades para falar com o ministro da Casa Civil,
Eliseu Padilha, estava sem interlocutor no governo. Temer
indica, então, o deputado Rodrigo Rocha Loures (PMDB-PR).
Loures tinha acabado de deixar a assessoria especial da
presidência e, a pedido de Temer, assumido o mandato na
Câmara, na vaga deixada pelo ministro da Justiça, Osmar
Serraglio. Loures seria um homem de inteira confiança do
presidente, uma pessoa com quem o empresário poderia
tratar de qualquer assunto.
Bateu no teto, não! Furou o teto! , pensei.
Ali estava o presidente da República em ação.
Nota do leitor:- Excelente sem ser vazamento de informações!!! Não perca o lançamento do livro!!! Claro se não mandarem recolher a edição devido os nomes de quem são os chefes e quem permite tal impunidade???