Há uma pergunta retórica que envolve o nome de Roberto Marinho. Ele foi jornalista ou empresário? Leonencio Nossa, autor da nova biografia “O poder está no ar”, em entrevista concedida a um jornal, afirma que ele atuou nos dois campos distintamente. No entanto, o que se percebe nitidamente na trajetória de Roberto Marinho é que ele foi, antes de tudo, um lobista agindo em causa própria e visceralmente ligado a ideia de sobrevivência, crescimento e consolidação de sua empresa. O Globo, para Marinho, sempre foi muito mais uma ferramenta de poder, lucro e status social. O jornalismo erguia uma fachada útil ao lobby político-empresarial praticado pelo seu proprietário. Nada muito diferente de Chateaubriand, que em muitos momentos parece ter servido inspiração ao “Doutor Roberto” e de quem recebeu a “Ordem do Jagunço”, vestido de gibão e chapéu de vaqueiro, cena que emoldurava os contemplados num quadro ridículo.
Habilidoso e obstinado, Marinho soube delegar poderes e aprendeu a arte de influenciar e manipular com pioneiros no ramo, personagens como Herbert Moses e Augusto Frederico Schmidt, pelo último nutriu um profundo encantamento. Moses e Schmidt foram figuram fundamentais como suporte na história de O Globo, assim como foram também Oswaldo e Luís Aranha no princípio da caminhada do empresário.
Roberto enfatizava suas virtudes como linha de fronteira que o tirava da sombra do pai, Irineu Marinho, este com uma veia jornalística muito mais definida do que o filho. Sua cruzada de uma vida inteira para consolidar O Globo também foi uma travessia de autoafirmação no sentido de imprimir sua própria identidade ao jornal. Conseguiu. Com o tempo, o jornalista Irineu Marinho foi se transformando num coadjuvante in memoriam do ousado e incansável empresário Roberto Marinho.
É interessante que logo nas primeiras páginas o livro trate da questão racial que sempre foi usada pelos adversários como arma de constrangimento moral contra a família Marinho. O autor traz à superfície a possível ascendência negra de Irineu e o desconforto de Roberto com sua pele parda, fato que tentava amenizar evitando a luz do Sol e camuflando-se sob camadas de pó de arroz. Não foram poucas as vezes que Roberto e Irineu foram chamados de crioulos, uma vil tentativa racista para humilhá-los numa época em que o racismo tinha peso para destacar as castas. Talvez, o desconforto que carregou pelo seu tom de pele, num ambiente que ainda convivia com vícios da aristocracia escravagista do império, tenha feito o Grupo Globo, principalmente a TV, preferir se identificar com a farsa branquejante de uma sociedade de mestiços. Até hoje, quando um negro ocupa posição destaque num programa da emissora, parece mais uma concessão do que a obrigação de refletir nossas origens, a origem do próprio fundador do canal. A TV Globo também usa pó de arroz.
Roberto não possuía nenhuma formação acadêmica, esbarrava com dificuldades na escrita e costumava se utilizar de ghost-writers para a composição dos seus editoriais no jornal. No entanto, foi um homem corajoso. Em alguns episódios, defendeu bravamente a liberdade de imprensa, na contramão dos gestos de outros diretores de jornais. Há a famosa frase em resposta a um ministro da ditadura, repetida várias vezes no livro: “quem manda nos meus comunistas sou eu”; existe a outra versão mais próxima do real em que diz “no meu jornal mando eu”.
O Globo não se consolidou como órgão de imprensa pela qualidade de seu noticiário, foi a primeira crise financeira vivida pelo vespertino que fez Roberto Marinho inovar e investir na produção de gibis. Enriqueceu e construiu a lendária mansão do Cosme Velho. Foram os quadrinhos os responsáveis pelo seu primeiro salto social.
Cedo, entendeu que o jornal envolvia o jogo político. Em diferentes períodos históricos, apoiou Prestes e Jango, mas sem nunca deixar de ser um liberal convicto e um anticomunista ferrenho, mas que aceitava comunistas na redação do seu jornal. Chateaubriand, diante de uma reclamação de Roberto afirmando que havia muitos comunistas na redação de O Globo, respondeu que era impossível fazer um jornal sem os comunistas.
Carlos Lacerda, com certeza, foi o seu maior e mais dedicado inimigo, rivalidade que teve como pano de fundo os anseios imobiliários de Marinho e as aspirações políticas daquele que foi governador da Guanabara. Lacerda impediu que Marinho transformasse a área em que hoje está o Parque Laje num cemitério, chegou a apelidar o empresário de “corretor de sepulturas”. Roberto, por sua vez, jamais aceitou apoiar Lacerda como pretendente a presidência do país. Protagonizaram uma luta feroz, jamais ocorreu conciliação.
“O poder está no ar” possui ação vertiginosa, pois nos faz acompanhar um personagem que atravessou sucessivas reviravoltas da história brasileira, conseguindo sobreviver e preservar suas empresas. Foi quando abraçou de corpo e alma o golpe de 1964 que Roberto Marinho confirmou que sua biografia não seria a de um jornalista (título que tinha orgulho de ostentar), mas de um empreendedor cuja ideologia foi o dinheiro, o lucro e a expansão dos seus negócios. Foi na boa relação com a mão de ferro dos militares que alcançou a almejada segurança e a definitiva prosperidade. Não foi à toa que resistiu à campanha das Diretas Já.
Arriscou-se muitas vezes, foi um empresário ousadíssimo, muito mais do que um destemido jornalista. Quase perdeu a TV numa armadilha vingativa montada por Walter Salles, que comprou a dívida do empresário oriunda do caso Time-Life. Escapou por um triz com a ajuda de outro banqueiro, o Magalhães Pinto. Apesar da TV ter se tornado seu principal cetro de poder, era o jornal que tinha para Roberto um inestimável valor sentimental, criou-se na redação, na oficina de impressão, descobriu-se no processo de publicar a notícia. Infelizmente, a relação fraternal com Castelo Branco e a simbiose como Costa e Silva ficam como a mancha que não poderá ser desfeita sob qualquer justificativa. A ambição levou Roberto Marinho ao pecado capital.
Ler a biografia de Roberto Marinho escrita por Leonencio Nossa é conhecer uma face essencial da nossa história e da formação de uma imprensa que forjou os moldes atuais, uma composição que resultou no domínio da mídia por poucas famílias, todas com visão liberal da economia e com pretensões feudais na propriedade da informação. A grande imprensa no Brasil, pelo caráter lobista que se revela na biografia, foi e ainda é muito mais um obstáculo para a formação crítica do cidadão do que aliada na compreensão plural do país.
Habilidoso e obstinado, Marinho soube delegar poderes e aprendeu a arte de influenciar e manipular com pioneiros no ramo, personagens como Herbert Moses e Augusto Frederico Schmidt, pelo último nutriu um profundo encantamento. Moses e Schmidt foram figuram fundamentais como suporte na história de O Globo, assim como foram também Oswaldo e Luís Aranha no princípio da caminhada do empresário.
Roberto enfatizava suas virtudes como linha de fronteira que o tirava da sombra do pai, Irineu Marinho, este com uma veia jornalística muito mais definida do que o filho. Sua cruzada de uma vida inteira para consolidar O Globo também foi uma travessia de autoafirmação no sentido de imprimir sua própria identidade ao jornal. Conseguiu. Com o tempo, o jornalista Irineu Marinho foi se transformando num coadjuvante in memoriam do ousado e incansável empresário Roberto Marinho.
É interessante que logo nas primeiras páginas o livro trate da questão racial que sempre foi usada pelos adversários como arma de constrangimento moral contra a família Marinho. O autor traz à superfície a possível ascendência negra de Irineu e o desconforto de Roberto com sua pele parda, fato que tentava amenizar evitando a luz do Sol e camuflando-se sob camadas de pó de arroz. Não foram poucas as vezes que Roberto e Irineu foram chamados de crioulos, uma vil tentativa racista para humilhá-los numa época em que o racismo tinha peso para destacar as castas. Talvez, o desconforto que carregou pelo seu tom de pele, num ambiente que ainda convivia com vícios da aristocracia escravagista do império, tenha feito o Grupo Globo, principalmente a TV, preferir se identificar com a farsa branquejante de uma sociedade de mestiços. Até hoje, quando um negro ocupa posição destaque num programa da emissora, parece mais uma concessão do que a obrigação de refletir nossas origens, a origem do próprio fundador do canal. A TV Globo também usa pó de arroz.
Roberto não possuía nenhuma formação acadêmica, esbarrava com dificuldades na escrita e costumava se utilizar de ghost-writers para a composição dos seus editoriais no jornal. No entanto, foi um homem corajoso. Em alguns episódios, defendeu bravamente a liberdade de imprensa, na contramão dos gestos de outros diretores de jornais. Há a famosa frase em resposta a um ministro da ditadura, repetida várias vezes no livro: “quem manda nos meus comunistas sou eu”; existe a outra versão mais próxima do real em que diz “no meu jornal mando eu”.
O Globo não se consolidou como órgão de imprensa pela qualidade de seu noticiário, foi a primeira crise financeira vivida pelo vespertino que fez Roberto Marinho inovar e investir na produção de gibis. Enriqueceu e construiu a lendária mansão do Cosme Velho. Foram os quadrinhos os responsáveis pelo seu primeiro salto social.
Cedo, entendeu que o jornal envolvia o jogo político. Em diferentes períodos históricos, apoiou Prestes e Jango, mas sem nunca deixar de ser um liberal convicto e um anticomunista ferrenho, mas que aceitava comunistas na redação do seu jornal. Chateaubriand, diante de uma reclamação de Roberto afirmando que havia muitos comunistas na redação de O Globo, respondeu que era impossível fazer um jornal sem os comunistas.
Carlos Lacerda, com certeza, foi o seu maior e mais dedicado inimigo, rivalidade que teve como pano de fundo os anseios imobiliários de Marinho e as aspirações políticas daquele que foi governador da Guanabara. Lacerda impediu que Marinho transformasse a área em que hoje está o Parque Laje num cemitério, chegou a apelidar o empresário de “corretor de sepulturas”. Roberto, por sua vez, jamais aceitou apoiar Lacerda como pretendente a presidência do país. Protagonizaram uma luta feroz, jamais ocorreu conciliação.
“O poder está no ar” possui ação vertiginosa, pois nos faz acompanhar um personagem que atravessou sucessivas reviravoltas da história brasileira, conseguindo sobreviver e preservar suas empresas. Foi quando abraçou de corpo e alma o golpe de 1964 que Roberto Marinho confirmou que sua biografia não seria a de um jornalista (título que tinha orgulho de ostentar), mas de um empreendedor cuja ideologia foi o dinheiro, o lucro e a expansão dos seus negócios. Foi na boa relação com a mão de ferro dos militares que alcançou a almejada segurança e a definitiva prosperidade. Não foi à toa que resistiu à campanha das Diretas Já.
Arriscou-se muitas vezes, foi um empresário ousadíssimo, muito mais do que um destemido jornalista. Quase perdeu a TV numa armadilha vingativa montada por Walter Salles, que comprou a dívida do empresário oriunda do caso Time-Life. Escapou por um triz com a ajuda de outro banqueiro, o Magalhães Pinto. Apesar da TV ter se tornado seu principal cetro de poder, era o jornal que tinha para Roberto um inestimável valor sentimental, criou-se na redação, na oficina de impressão, descobriu-se no processo de publicar a notícia. Infelizmente, a relação fraternal com Castelo Branco e a simbiose como Costa e Silva ficam como a mancha que não poderá ser desfeita sob qualquer justificativa. A ambição levou Roberto Marinho ao pecado capital.
Ler a biografia de Roberto Marinho escrita por Leonencio Nossa é conhecer uma face essencial da nossa história e da formação de uma imprensa que forjou os moldes atuais, uma composição que resultou no domínio da mídia por poucas famílias, todas com visão liberal da economia e com pretensões feudais na propriedade da informação. A grande imprensa no Brasil, pelo caráter lobista que se revela na biografia, foi e ainda é muito mais um obstáculo para a formação crítica do cidadão do que aliada na compreensão plural do país.