Desbravando a Morte: Machado de Assis e Paulo Coelho

Este artigo visa traçar paralelos existenciais humanos ao analisar “Veronika decide morrer” de Paulo Coelho em, comparação com o acervo literário de Machado de Assis especificamente em “O alienista”.

Veronika inicia a obra citada, primeiramente, de maneira a atentar contra a própria vida por ter se enfastiado de tudo o que o mundo tem a oferecer e de todas faces que ela apresenta para si própria. Podemos equiparar este início da trama com o filme “Fragmentado” em que o protagonista possui diversas facetas que “bailam” em apenas um ser, de modo que o controle não mais pertença a ele. Há de se discernir apenas o fato de que elas degladiam entre si, pois possuem vastas discrepâncias e propriedades únicas em cada uma delas.

Ainda que a eslovena da obra tenha uma vida deveras pacata e simplória, possuía um emprego estável e vida pessoal movimentada, quando assim desejava. Todavia isso não mais a cativava, de modo que ela optou pela tentativa de suicídio, para contornar essa rotina e se ver livre de tais cenários e de “todas as Veronikas” que estava acostumada a ser e a apresentar para si.

Ela fracassa no suicídio e ao ser internada, os médicos do manicômio a analisam como paciente terminal, haja vista a quantidade de fármacos que ingeriu e causou danos irreversíveis ao seu coração. Cabe ressaltar, ainda nessa obra, o papel importante do diretor do hospital, Dr. Igor: ele analisava um paralelo entre uma substância descrita como VITRÍOLO; esta que ele aponta como causadora da loucura e que, conforme esse composto tivesse sua quantidade aumentada no corpo das pessoas, elas iam perdendo o controle de si e de seus atos. Ao levar em consideração tal fator, ele usa de “placebo intelectual” com Veronika e a induz a crer que lhe restavam poucos dias de vida (inclusive lhe provocando sintomas dignos de problemas cardíacos, para que tal sensação tivesse embasamento físico). Tais atos catapultearam a protagonista de volta ao impulso à vida ao fazê-la arriscar-se mais, permitir-se mais e agir pela simples sensação de sentir e presenciar tudo o que a vida tem a oferecer sem usar nenhuma amarra para isso. Dessa maneira, a protagonista passa a viver cada dia como se fosse o último (até que em algum dia, este último dia de fato chegará).

Já se tratando da obra de Machado de Assis, o protagonista – Dr. Simão Bacamarte – é diretor de um manicômio e analisa as pessoas da cidade onde tal estabelecimento foi instaurado. Mas acaba agindo de forma desmedida e interpela todas as pessoas – inclusive sua esposa – com sintomas de loucura e prende a todos no hospício. Entretanto, no ápice do enredo, julga a si próprio como incapaz de ter percepções neutras de todos, pois ele mesmo estava sofrendo de loucura, ao ver sintomas de insanidade em todos que o cercavam. Assim sendo, ele pede para ser internado e soltar todos os demais.

Ao se usar da sabedoria oriental, podemos citar ainda a dualidade YIN/YANG que aponta cada ser como portador das essências benignas e malignas dentro de si. Assim sendo, cada um manifesta em si àquela voz que seu canal interior deseja e traz à tona qual das partes de seus respectivos “eus” deseja manifestar para seus semelhantes e partilhar com o mundo.

Na atual sociedade “.com” onde as pessoas possuem a tecnologia como sua principal aliada, mas também como precursora de males sociais como ansiedade e superexposição, o coletivo opta por refletir felicidade aos demais ainda que esteja se vivenciando uma realidade distinta da que se é exposta. Este comportamento que visa a aceitação coletiva, mostrar que “se faz parte” para que se “pertença” a determinados nichos sociais vistos como “de sucesso” e “populares” graças ao consumo ou presença em locais que são desejados pela maioria.

O dito “mal do século” – depressão – assola um grande contingente de pessoas que tentam se igualar a maioria, mas sem possuir recursos para isso ou sem encontrar nichos para que possam chamar de seus. As várias facetas humanas apresentadas em variadas teorias e aspectos nesse artigo apontam que a loucura e o senso coletivo são heranças de comparações e do que se torna mais bem aceito pela maioria do senso coletivo e não necessariamente é uma verdade universal imutável.

Na obra de Machado, o Dr. Bacamarte se vê no auge de seus pedidos de internações como um herói para o mundo por livrar seus semelhantes destes elementos desequilibrados emocionamente e que – na interpretação dele – não eram donos de si. Todavia ele entra em aporia ao balisar seus atos e repensá-los até que a conclusão derradeira foi a de que seus julgamentos estavam incoerentes com o que deveria ser o caminho mais correto a se seguir.

Veronika, por sua vez, acaba se confrontando com a morte por enjoar de todas as versões apresentadas por si até aquele derradeiro momento em que opta por sucumbir aos devaneios de sua mente. Entretanto as experiências vividas naquele manicômio por um curto período de tempo – período esse que acreditou serem os últimos dias de sua vida – a fizeram repensar seus atos e refletir sobre toda sua trajetória. Ela colocou em xeque tudo o que tinha realizado e o por quê de ter optado por tomar aqueles remédios visando a morte.

Muitas pessoas acabam optando pelo mesmo caminho da personagem citada no parágrafo anterior por crerem que a vida não lhes possui mais sentido. Entretanto para a personagem de Paulo Coelho lhe são passadas opções, pois as interações que ela teve no manicômio não só a fazem mudar, como proporcionam aos internos uma semente de esperança em suas próprias vidas atrelado ao fato de que a nenhum deles tinha passado um “atestado de morte pré-datado”. Veronika é levada a repensar seus atos e a interação com alguns outros internos, tais como Mari, Zedka e Eduard fazem com que ela passe a agir de maneira diferente e a valorizar cada dia que vive, assim como tais personagens passam a refletir sobre a vida que levavam naquele manicômio. Zedka e Mari recebem alta e passam a ser “comandantes do leme” das suas vidas. Já Eduard, com quem Veronika extrapola a proximidade afetiva quiçá o beijando e se masturbando na frente dele, opta por fugir com ela para além das paredes do manicômio.

Estas obras nos levam a reflexões do quão passageira a vida é e de como ela deve ser bem vivenciada porque a existência terrena está cheia de possibilidades e vivências que podem ser proporcionadas e inúmeros “eus” podem florescer do interior, caso assim seja permitido. Basta que se cuide para que essa melhor versão própria seja também a mais honesta de modo que a satisfação pessoal seja alcançada, ainda que salpicada com uma dose de “loucura”, sem que necessariamente seja necessário se esbarrar com a morte, um “placebo intelectual” ou um atestado de insanidade mental.

Reitere-se ainda que caso não se consiga ou se considere capaz de enfrentar tais problemas sozinho, hão alternativas como a terapia e profissionais capacitados para ajudar nesse embate. A sociedade está em transição e solicitar ajuda atualmente não mais carrega tanto jugo quanto outrora e os “dedos apontados” não mais ecoam tanto quanto outrora, basta que se manifeste uma vontade interior de se querer mudar e enfrentar esta mazela de frente.