"Marvel: 40 anos no Brasil": uma olhada sobre a saga da editora em terras tupiniquins
Livro "Marvel: 40 anos no Brasil", publicado em setembro de 2007 pela editora Panini e com 340 páginas. A obra faz um apanhado de como foi construída a história da editora estadunidense de quadrinhos em nosso país.
PRIMEIRA PARTE: A HISTÓRIA DA MARVEL NO BRASIL
Na primeira parte do livro, temos um amplo texto, assinado por Gonçalo Junior e Fernando Lopes, que conta toda a saga da editora no país, desde o momento em que a editora EBAL, no final da década de 1960, numa parceria com os postos de combustível da Shell, começou a vender revistas, lançadas concomitantemente com desenhos animados, numa ação de marketing então inédita. Havia uma certa insegurança da EBAL visto que personagens como Homem de Ferro, Surfista Prateado, Príncipe Submarino, Thor, etc., eram ainda desconhecido pelo grande público. O sucesso da ação pegou a EBAL um pouco de surpresa, visto que a pequena editora não tinha estrutura de impressão suficientes para atender a demanda criada.
Com o passar dos anos outras editoras também publicaram os quadrinhos sem, contudo, superar o sucesso da EBAL. Em meados dos anos 80, a editora Bloch aproveitou-se de um erro da EBAL. Esta, publicava os quadrinhos sem ter um contrato formal com a Marvel, sendo basicamente um acordo verbal (!). A Bloch, em segredo, assinou um contrato com a Marvel para a publicação das histórias e, sendo proprietária também de uma emissora de TV (a extinta Rede Manchete), começou a exibir desenhos para alavancar as vendas. Tal ação resultou no fim gradual da EBAL. Detalhe: os donos da EBAL e da Bloch eram parentes! Entretanto, a Bloch não tinha o mesmo zelo na parte gráfica e o público reagiu negativamente, refletindo nas vendas. A saída da Marvel da Bloch transcorreu algum tempo depois.
Após uma passagem rápida pela Editora Globo, os quadrinhos da Marvel enfim chegaram na Editora Abril que, pela primeira vez, corrigiu um problema que se arrastava desde os tempos da EBAL: a cronologia. Na Marvel, um acontecimento ocorrido numa história do Thor, poderia refletir numa história dos Vingadores, por exemplo. Essa preocupação com a cronologia era importante para a compreensão dos leitores, mas não era compartilhada pelas editoras anteriores. Na realidade, era muito difícil corrigir isso visto que os quadrinhos chegavam em períodos diferentes no país e, quase sempre, as diversas editoras que disputaram o direito de publicar esses personagens, tinham acesso a apenas parte do panteão. A parceria da Marvel com a Abril se mostrou longeva e estável, popularizando o "formatinho", editado com papel jornal, bem mais barato, o que se mostrou acertado (apesar da má qualidade do papel), dada à instabilidade econômica nos anos 1980/1990.
Com a crise no mercado editorial no final dos anos 90, influenciada pela economia mas, também, por uma crise criativa na própria Marvel, somada a estratégias equivocadas de vendas que elitizaram os quadrinhos, a Abril não conseguiu manter os direitos sobre as publicações. Estes, foram cedidos no início da década de 2000 para a multinacional Panini, que publica a Marvel até hoje.
SEGUNDA PARTE: HISTÓRIAS IMPORTANTES
Na segunda parte do livro, são mostradas histórias relevantes dentro da trajetória da Marvel. Por ser uma antologia, há escolhas controversas, bem como histórias importantes que ficaram de fora.
A primeira é "A incrível saga do Surfista Prateado" (Fantastic Four # 50, 1966), que traz a conclusão da chamada "Trilogia de Galactus", com o Surfista Prateado se rebelando contra a entidade cósmica Galactus, com o Quarteto Fantástico observando impotentes o embate. Os gênios Stan Lee e Jack Kirby, após terem feito seus personagens enfrentarem todo tipo de inimigo, imaginaram como seria se eles enfrentassem um deus. Foi o mais próximo que poderiam obter e o resultado foi uma das mais lembradas histórias da Marvel, tendo sido usada, porcamente, como referência na segunda adaptação cinematográfica do Quarteto Fantástico (de 2007).
A segunda história é "O assassino de deuses" (The Avengers # 166, 1977), que traz os Vingadores sendo quase derrotados por um inimigo pouco expressivo: Nefária. Há um foco maior no personagem Thor. A história, mediana, traz arte do mestre John Byrne.
A terceira história, "Demônio na garrafa" (Iron Man # 168, 1979), com desenhos de John Romita Jr., é considerada uma das mais antológicas do personagem Homem de Ferro. Não há um super vilão na história, mas Tony Stark enfrentando o alcoolismo. O tema foi explorado superficialmente no filme "Homem de Ferro 2" (2010).
A quarta história é "Dias de um futuro esquecido" (The Uncanny X-Men # 141-142, 1981), considerada um clássico dos X-Men, tendo a arte de John Byrne e Chris Claremont, que revolucionou os personagens, no roteiro, compartilhado com o próprio Byrne. Na história, Lince Negra envia sua mente para o passado, com o intuito de impedir o assassinato do Senador Robert Kelly, evento que resultaria na criação do Programa Sentinela, que culminaria na destruição do mundo moderno, por meio de genocídios. A história foi adaptada no cinema, num filme de mesmo nome (de 2014), bem fiel ao material original, apresentando algumas alterações como, por exemplo, a substituição de Lince Negra por Wolverine no protagonismo.
A quinta história "Roleta-russa" (Daredevil # 191, 1983), é uma das melhores da fase de Frank Miller com o personagem Demolidor, trazendo no roteiro drama e violência, num embate entre o Demolidor e o vilão Mercenário, assassino de sua amada Elektra.
A sexta história é "O menino que coleciona Homem-Aranha!" (The Amazing Spider-Man # 248, 1984), que deveria ser apenas uma história complementar do Homem-Aranha, daquelas criadas apenas para ocupar espaço nas revistas, mas que se tornou uma das mais lembradas em listas de melhores histórias do personagem. Nela, Peter Parker visita seu maior fã, relevando para ele seu maior segredo. Roger Stern e Terry Austin marcam presença na história.
A sétima história é "Lar em chamas!" (Marvel Fanfare # 18, 1985) e traz o Capitão América enfrentando terroristas incendiários nos próprios Estados Unidos. Sem cair tanto no ufanismo, típico das narrativas do personagem, Frank Miller consegue fazer uma história interessante, explorando o conflito "sonho americano" x realidade.
A oitava história é "Animal ferido" (The Uncanny X-Men # 205, 1986) e traz Wolverine enfrentando Lady "Letal" Yuriko, com uma pequena ajuda de Chispinha do Quarteto Futuro, na arte incrível de Barry Windsor-Smith e roteiro de Chris Claremont.
A nona história é a origem do personagem Estigma (Star Brand # 1, 1986), e que compõe o chamado "Novo Universo", uma tentativa da Marvel de publicar histórias mais adultas e dissociadas de seus personagens conhecidos, na década de 1980. Não durou muito a iniciativa, embora vários conceitos fossem interessantes. A história tem John Romita Jr. e Al Williamson na arte e roteiro de Jim Shooter.
A décima história é, por sua vez, a origem do personagem Homem-Aranha 2099 (Spider-Man 2099 # 1, 1992) e que, após o fracasso do "Novo Universo", mostra a Marvel novamente reformulando sua linha editorial. O universo futurístico "2099" fez mais sucesso no Brasil do que nos Estados Unidos e durou quase 3 anos, até sucumbir.
A décima primeira história é "Para que as trevas não sobrevenham" (The Incredible Hulk # 420, 1994) e traz o "gigante esmeralda" tentando ajudar um rapaz em estado terminal, acometido pela AIDS. O surgimento da epidemia de AIDS gerou pânico e a revista registra isso. Pertencente a fase do roteirista Peter David, que trouxe bons momentos, a história traz uma das facetas interessantes do personagem, o chamado Professor Hulk, que apareceu no cinema no filme "Vingadores: Ultimato", de 2019.
A décima segunda história é dos X-Men Ultimate (Ultimate X-Men # 15, 2002) e que, ao contrário do "Novo Universo" e do "Universo 2099" traz, enfim, uma revitalização interessante na linha editorial da Marvel. O "Universo Ultimate" repaginava os heróis clássicos da editora, trazendo um fôlego maior, uma revigorada nas histórias. A presente história tem roteiro do mestre Mark Millar.
Por fim, a décima terceira história é "Contato" e traz a estreia do Esquadrão Supremo (Supreme Power # 1, 2003), grupo de personagens que são baseados na Liga da Justiça, da concorrente DC Comics. Nesse primeiro número, há a origem do personagem Hipérion, o "superman da Marvel". Com roteiro de J. Michael Straczynski, então conhecido por sua atuação como roteirista televisivo de ficção científica, e arte de Gary Frank, Esquadrão Supremo foi uma das melhores ideias publicadas pela Marvel nos anos 2000.
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Em resumo, "Marvel: 40 anos no Brasil" é um livro fundamental para qualquer leitor de quadrinhos, por registrar o processo evolutivo das publicações da Marvel em nosso país e, também, por trazer uma seleção interessante de histórias, de qualidade variada é verdade, mas que permite uma olhada geral sobre essa editora incrível.
(VÁRIOS: arte e histórias de diversos artistas; letras de Fernando Chakur; tradução de Fernando Lopes, Helcio de Carvalho, Jotapê Martins, Paulo Agria e Roberto Guedes. Marvel: 40 anos no Brasil. Barueri: Panini, setembro de 2007, 340 páginas)
P.S.: Análise de obra escrita em 18/05/2019.