7 MINUTOS DEPOIS DA MEIA-NOITE: REFLEXÕES, TERAPIA E SIMBOLISMO

Em 1907, Freud publicou sua primeira análise de uma obra literária, o psicanalista analisou o romance Gradiva do escritor alemão Wilhem Jensen. Esse romance conta a história do protagonista Nobert e sua jornada em busca de respostas para o sonho que teve com uma escultura que ganhou vida, chamada Gradiva. De acordo com Freud, o desenvolvimento da história, as descobertas e reviravoltas, corresponderiam ao processo do trabalho Psicanalítico, algo parecido também podemos ver no filme Sete minutos depois da meia-noite, que é baseado no livro de Patrick Ness, dirigido por Juan Antonio Bayona.

Resumo do filme

Inicialmente, vemos Conor, um garoto de 13 anos, que tem que lidar com diversas dificuldades. Sua mãe tem câncer e faz quimioterapia, ao mesmo tempo, ele sofre violência na escola e não consegue estabelecer uma boa relação com sua avó materna. Além disso, seu pai mora em outra região e apenas o visita às vezes. Durante uma noite, em seu quarto, quando o relógio dá 12:07, o garoto recebe uma visita de um “monstro” , uma enorme árvore de teixo, cujo os olhos são vermelhos como fogo. Essa monstro lhe promete contar três histórias e, ao final, o garoto teria que contar a quarta.

Durante o desenvolvimento do filme, as histórias contadas pelo “monstro” vão sendo entrelaçadas com a vida de Conor. Enquanto sua mãe piora, seus relacionamentos, seja na escola ou com sua vó, também se deterioram. A raiva e a dor pela doença de sua mãe cresce durante a trama, levando Conor a momentos de explosão, como quando destrói a sala de sua vó (momento que o monstro conta a segunda história) e quando ataca o menino que lhe batia na escola ( terceira história do monstro).

Próximo ao final, Conor descobre que a quimioterapia de sua mãe não irá mais fazer efeito e corre para o cemitério onde fica a árvore de Teixo. O monstro então se levanta para, finalmente, revelar a verdade, chegou a hora da quarta história que deve ser contada pelo garoto.

No grande clímax do filme, Conor diz para o monstro: “você me prometeu que curaria a minha mãe, mas não fez nada!”. O monstro então responde: “Não falei que curaria sua mãe, mas que curaria você!”. Nesse momento, o menino vê sua mãe próxima a catedral e o chão começa a afundar junto com ela. O garoto corre e a segura, até que não aguenta mais e a deixa cair. O monstro então confronta Conor, pedindo para que ele assuma a verdade, enfim, o garoto solta o que estava gritando em seu interior: “ Eu queria que tudo isso acabasse, não consigo deixar minha mãe ir”. Ao perceber isso, ao enxergar sua própria verdade, a explosão e raiva cessam, Conor se reconcilia com sua vó, e no ultimo momento que tem com sua mãe, a abraça e a deixa partir.

O filme se encerra com Conor descobrindo que o monstro e suas histórias estavam desenhados,todo tempo em um caderno de sua mãe...

Análise do filme

Sonhos e a verdade.

Durante a maior parte do filme, Conor sonhava com sua mãe caindo do penhasco e sempre acordava quando chegava a hora em que ela caia. Além disso, após encontrar o monstro, Conor “acordava”, como se tudo fosse um sonho. Freud em sua obra mais famosa, a “interpretação dos sonhos”, relata que o sonho é a principal via de acesso ao inconsciente (parte da nossa mente onde muitas vezes tem conteúdos que nem sabemos que existem), e que muitas vezes, desejos e ideias que não são aceitáveis pra nós, conseguem escapar de uma “censura” durante o sono. No caso, o medo e o sentimento de incapacidade em relação a perda da mãe, e a culpa que só foi revelado ao final do filme, saía para fora como se Conor, o tempo todo, de forma inconsciente, soubesse a verdade.

Outro ponto que nos chama a atenção, é o duplo papel do monstro e o quanto ele está ligado ao processo de uma psicoterapia.

O monstro e o ID?

Primeiro, é visto em muitos momentos, que quando o monstro saia para fora, Conor soltava sua explosão, aquilo que estava reprimido dentro dele. Além disso, esse monstro mostrava um lado de Conor que ele não suportava ver, como se fizesse parte dele e, ao mesmo tempo, fosse-lhe alheio. Freud, em sua clássica obra, o Ego e o ID, descreve uma parte de nós, da nossa mente, na qual estão nossas paixões e desejos, desejos muitas vezes não aceitos por nós e, portanto, reprimidos, uma parte que ao mesmo tempo que nos constitui, e nos domina, é estranha a nossa consciência. Freud chamou essa parte de ID ou “Isso”(como se fosse uma coisa difícil de se nomear), lá estariam desejos e processos que nossa consciência moral ou a realidade não aceitariam, ou que nos causariam uma dor que não conseguiríamos lidar, sendo um dos objetivos da terapia, trazer a consciência aquilo que se oculta nele.

O simbolismo de uma terapia

Outro papel que o monstro simboliza na obra é o de terapeuta, pode-se entender que o desenvolvimento da história e a maneira como Conor supera seus conflitos, se aproxima de uma processo psicoterápico. Durante as histórias que eram contadas, o monstro preparava Conor para descobrir, ao final, a verdade que o tempo todo estava reprimida. Cabe ao analista, pouco a pouco, superar as resistências, mecanismos de defesa, para que, no momento certo, no seu próprio tempo, o paciente reconheça a sua verdade, descubra o que acontece dentro dele, o que ele verdadeiramente pensa e, assim,possa seguir em frente, tendo consciência do que o motiva, do que está por trás do seu comportamento, tendo a possibilidade de mudar e transformar a própria vida, não mais totalmente refém das situações e da sua própria mente.

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Importante ressaltar que assim como as histórias do monstro, a verdade nem sempre é bonita como em um conto de fadas, enxergá-las é um processo doloroso, perceber os fantasmas que há dentro de si, é algo que muitas vezes assusta, porém, assim como no filme, é só descobrindo quem realmente somos, sejam coisas ruins, lembranças dolorosas, ou coisas boas, que estaremos preparados para não mais reagir, mas dar um novo sentido ao que vivemos e sofremos, sendo esse, um dos principais objetivos de uma psicoterapia.

Sendo, o que foi citado, visto com Conor que, ao final, ao ter consciência do que sentia, foi capaz de dar um novo significado a morte de sua mãe, deixando-a partir, fortalecendo-se para conseguir elaborar seu luto (sua perda).

Conclusão

Pode-se refletir, a partir de uma visão mais simbólica, que a jornada de autodescoberta realizada por Conor, reflete a mesma jornada que um paciente realiza em sua terapia pessoal. Conor, a partir das histórias, entendeu que olhar para si e enxergar sua verdade, pode ser extremamente doloroso, pois muitas vezes, não há vilões ou mocinhos, só a realidade. Porém, ao final, quando as peças se encaixam, se percebe que todo esse processo valeu a pena, se tornando libertador.

Psicólogo - Renan Souza de Oliveira

CRP 06/151946

Referencias -

FREUD, Sigmund. A interpretação dos sonhos (1900). Obras completas, v. 4, 1996.

_______. Delírios e sonhos na Gradiva de Jensen (1907). FREUD, S. Edição Standard Brasileira das Obras Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, v. 9, p. 13-98, 1986.

________. O ego e o id e outros trabalhos. FREUD, Sigmund. Edição Standard brasileira das obras psicológicas de completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, v. 19, 1996.