Batman ‘89
Em minha opinião, dois foram os maiores contratempos da carreira de Tim Burton: o primeiro foi não ter podido dirigir mais nenhum filme da série “Batman”, e o segundo foi seu filme abortado do Super-Homem, “Superman Lives”.
Em particular o primeiro, já que, como mencionei anteriormente, tenho em grande estima seus filmes do Batman, considerando-os alguns dos melhores de sua filmografia – não só por dar a um personagem já estabelecido uma nova estética sem desviar-se grandemente daquilo que veio antes como também pelos enredos bem construídos e com personagens desenvolvidos, dotados de vasta profundidade psicológica. (Em meu ensaio sobre o segundo filme da série, “Batman: O retorno”, expliquei pormenorizadamente minha relação emocional para com os filmes do Sr. Burton, portanto remeto o leitor para lá a fim de não repetir-me desnecessariamente.)
Sabe-se lá por que, numa das violações mais gritantes ao princípio do “don’t fix what isn’t broken”, o Sr. Burton foi excluído a partir do terceiro filme da série, sendo substituído por Joel Schumacher, que arruinou tudo aquilo que o Sr. Burton fizera de bom. Várias pessoas, eu entre elas, se sentiram absolutamente enfurecidas, pelo fato de várias ideias que haveriam de ser implementadas de modo mais maduro e instigante sob a baliza do Sr. Burton terem sido estropiadas em prol de “serem mais apelativas ao grande público” – entre elas, a introdução de um de meus vilões preferidos das histórias do Batman, o Duas-Caras.
Um vilão que vive obcecado pela dualidade inerente a tudo poderia ter sido interpretado magistralmente por Billy Dee Williams (o ator originalmente cogitado para desempenhar o papel nos filmes), mas o que acabamos recebendo foi Tommy Lee Jones transformando-o numa piada – e ficou por isto mesmo. Muito felizmente, há pouco tempo resolveram desculpar-se por seus erros e nos restituíram a chance de contemplar um terceiro filme fiel à visão do Sr. Burton – e isto o fizeram sob a forma de um gibi, “Batman ‘89”, que até a data de redação do presente ensaio possui quatro números.
Roteirizado por Sam Hamm (que também escrevera os filmes do Sr. Burton), o gibi serve de sequência direta a “O retorno”, trazendo-nos de volta àquela Gotham saída de algum filme esquecido do expressionismo alemão e conserta tudo aquilo que “Batman eternamente” estragou: somos presenteados mais uma vez com personagens maduros, um enredo intrigante e repleto de ação e suspense, o retorno da Mulher-Gato como interpretada por Michelle Pfeiffer e Billy Dee Williams em sua trágica transformação no Duas-Caras, e a introdução de Marlon Wayans como Robin – que, acreditem ou não, era a primeira escolha antes de Chris O’Donnell dar os ares da graça. O Batman de Michael Keaton permanece tão simultaneamente humano e intimidador como o era nos anos 1980 e 1990, e o leitor atento poderá encontrar muitas referências divertidas aos dois outros filmes da série – e até a outros trabalhos do Sr. Burton.
Finalmente foi-me dado morrer feliz, sabendo que o Sr. Burton foi vingado! Aguardo pacientemente pelos números restantes, e agora dirijo minha imaginação à seguinte pergunta: “Superman Lives” também haverá de ressuscitar?
(São Carlos, 15 de dezembro de 2021)