O HUMANO, O CUIDADO E O MITO DA CURA
O HUMANO, O CUIDADO E O MITO DA CURA
(Análise de trecho filosófico em SER E TEMPO de Martin Heidegger - filósofo alemão do século XX)
Quando ingressei no curso de Filosofia, tive a sorte, felicidade e a graça de ter, na primeira semana de atividades, assistido à aula de um grande homem, por quem tenho grande admiração até hoje: o prof. Custódio, da UFC. E foi naquele primeiro encontro com a turma que ele falou sobre um mito que sonhei na última noite, e acordei querendo me lembrar o que era exatamente. Recordei e decidi falar sobre ele.
Não sou especialista em Heidegger. Ainda não sei se gosto dele. Vou falar tudo de um jeito muito vago e breve.
O mito está presente na obra Ser e Tempo. Se não me engano, não foi Heidegger quem contou esse mito originalmente. Ou o inventou ou fingiu ter pego de algum lugar. Parece que era contado em algum lugar já há muito tempo.
Lembro-me de alguém ter dito que se chamava Mito do Cuidado. Ou Mito do Homem. Ou mito da Cura. Leiam, interpretem. É breve, mas parece querer dizer muito (retirei o texto abaixo daqui, que afirma se chamar Mito da Cura):
Certa vez, atravessando um rio, Cuidado viu um pedaço de terra argilosa. Cogitando, tomou um pedaço e começou a lhe dar forma. Enquanto refletia sobre o que criara, interveio Júpiter [Zeus].
Cuidado pediu-lhe que desse espírito à forma da argila, o que ele fez de bom grado. Quando, porém, Cuidado quis dar um nome à criatura que havia moldado, Júpiter o proibiu. Exigiu que fosse dado o seu nome. Enquanto Cuidado e Júpiter disputavam sobre o nome, surgiu também a Terra, querendo dar o seu nome, uma vez que havia fornecido um pedaço de seu corpo.
Os disputantes tomaram Saturno [Cronos/Tempo] como árbitro. Este tomou a seguinte decisão que pareceu equitativa: "Tu, Júpiter, por teres dado o espírito, deves receber na morte o espírito, e tu, Terra, por teres dado o corpo, deves receber o corpo. Como, porém, foi Cuidado quem primeiro o formou, ficará sob seus cuidados enquanto ele viver. Como, no entanto, sobre o nome há disputa, ele deve se chamar Homem, pois foi feito de "humus" (terra fértil).
Seria o Cuidado o que costumamos chamar de vez em quando de Anjo da Guarda? É claro, dá pra pensar muita coisa sobre esse mito. Eu acho bonito. É bacana. Deve dar um trabalho enorme interpretá-lo.
Gabriel Tavares Florentino
Graduado em Filosofia pela UFC - Universidade Federal do Ceará
COMENTÁRIO RESPOSTA:
Gabriel, o entendimento de CUIDADO no pensamento de Martin Heidegger, diz respeito ao ser autêntico, ou seja, aquele que não vive de pensamentos inacabados... de outros. Heidegger faz uma distinção entre o ser do homem, que chamará Dasein (Ser aí), do ser das coisas, cujas estruturas e propriedades serão diferentes. Nesse contexto, o homem se projeta sempre, mas é "Ser no mundo", não é um ser isolado e isto torna a factibilidade na qual se desenvolve, a existência dele.
O ser no mundo está constituído por projetos, envolvido na relação com os outros e com os objetos. No caso da existência ser uma fuga ante si mesmo, é não pensar no próprio ser, deixando-se levar pelas pessoas e as coisas. É o que Heidegger denomina existência inautêntica e se caracteriza pela superficialidade, o anonimato, a mediocridade.
Em oposição, a existência autêntica se consegue rompendo esse modo inautêntico, tendo como objetivo outras possibilidades que vão acompanhadas com uma crise na vida. Isto se leva a cabo com um ato de liberdade, que consiste em aceitar a realidade da morte.
A morte é o determinante das possibilidades do ser e revela, ante o DASEIN, o nada. O homem autêntico revela que seu ser é nada e mediante um esforço heroico, ele cuida de sua própria existência. EXATAMENTE aí é que está o entendimento de CUIDADO.
Mediante o cuidado, o homem se antecipa sobre sua realidade atual e se arroja para a realização de projetos futuros. É o que eu sempre disse pra você: o futuro em Heidegger é ANTECIPAÇÃO.
Heidegger sustenta que ante a realidade do nada, o homem experimenta o sentimento de angústia e será a falta de objeto que situará a angústia frente ao nada. Na existência inautêntica se recusa a angústia e na autêntica a angústia é situada como centro da existência.
Portanto, a morte é a chave do viver autêntico e permite ao homem adquirir lucidez, ao saber que a morte é o determinante de suas possibilidades.
Marco Antônio Abreu Florentino