Vaso Chinês (Alberto de Oliveira)
Estranho mimo, aquele vaso! Vi-o
Casualmente, uma vez, de um perfumado
Contador sobre o mármor luzidio,
Entre um leque e o começo de um bordado.
Fino artista chinês, enamorado
Nele pusera o coração doentio
Em rubras flores de um sutil lavrado,
Na tinta ardente, de um calor sombrio.
Mas, talvez por contraste à desventura -
Quem o sabe? - de um velho mandarim
Também lá estava a singular figura;
Que arte, em pintá-la! A gente acaso vendo-a
Sentia um não sei quê com aquele chim
De olhos cortados à feição de amêndoa. :
Esse poema foi escrito por Alberto de Oliveira (1857-1937), e pertence à escola literária “Parnasianismo” que se caracterizou, no Brasil, pela busca da perfeição formal na poesia. A soberana que só vale por si mesma, não tem nenhum tipo de compromisso que não o estético, e só se justifica pela busca do belo, é tão somente a “Arte Pela Arte”.
O poeta deu preferência para o soneto, herança clássica, composição dividida em duas estrofes de quatro versos (quartetos), e duas estrofes de três versos (tercetos). Na obra, podemos observar o predomínio da descrição objetiva, característica primária do estilo, nele o poeta descreve um vaso e seu criador com requintes de detalhes.
Mas em matéria de poesia, nada se define, lê e se mergulha nas entrelinhas, e se tiver sorte, encontra e identifica o nó da magia. Nesse rito, o leitor se põe a difícil tarefa de desatá-lo, chegando, nesse caso, à criatura (um vaso) e seu criador (um chinês), que na visão do poeta transmite seu amor por meio das simbólicas flores vermelhas: sangue/sangra/coração apaixonado, e a paixão aqui, é um elemento secundário. Por quê?
Não devemos, nunca, nos esquecer do contexto, de que o poema acima é Parnasiano, e seu único e verdadeiro compromisso é o artístico, assim seguimos com a leitura pensando num amor nada comparado ao dos românticos, no qual, sangra/coração/apaixonado caminharia por um viés que, certamente tomaria uma direção contrária. Veja a crítica ao coração apaixonado: __ “nele pusera o coração doentio” __que aparenta estar doente; mórbido.__ Os parnasianos criticavam o amor romântico da escola que os antecedeu.
Mas o que vem a ser poesia parnasiana? Essa pergunta deve ser o fio condutor daquele que tenta desvendar, o que se quer dizer, quem não tem nada pra falar, apenas se mostrar, por isso os adeptos desse estilo se preocupam, tanto com a forma com que a obra é mostrada, como com a formalidade com que ela é contada. Pinçamos então, desse meio, a personificação da voz, esse eu-poético, que se vê, que se sente, que se autoriza ser-o-melhor por si só, abdicando de seu pensamento/sentimento. Embora o poema traga no título “Vaso Chinês”, o poeta valoriza mesmo é quem o fez, “tão delicado objeto”. Entre os catorze versos que compõem o soneto, nove são para falar do criador, e não do vaso. O leitor então, fica com a sensação de estar diante de uma obra que tem seu encanto na dubiedade poema/vaso poeta/chinês, e seu maior admirador é o próprio poeta envaidecido da sua capacidade:__ “que arte em pintá-la” __O eu-poético, fica mesmo sem palavras “(...) vendo-a Sentia um não sei quê com aquele chim”.
Diante da obra, como resultado do seu trabalho, do seu esforço, ao vaso, deixou escapar que era um estranho mimo, mas ao artesão que produziu o vaso, aqui, classificado como artista, aquele que cultiva as belas-artes, “Fino artista chinês, enamorado”, atente-se leitor, não para o estranho mimo, mas para o estranho caso entre que é, e o que nos é mostrado.
Por meio desse recurso, o poema/vaso fica em segundo plano, deixando todo o mérito para o poeta/chinês, e nessa composição dividida/multiplicada, o poeta parece nos mostrar: veja do que eu sou capaz, eu vou além do fazer poesia, eu me coloco no texto, eu me escrevo em versos bem elaborados, eu me arrisco. Mas não se enganem, quando me é permitido, quero ser, eu o admirado. O poeta , então compete com sua obra, deixando o leitor sem saber a quem atribuir mais valor, se a criatura ou ao criador que, embora dê ao vaso uma “singular figura”, dedica a última estrofe inteira ao pai da criatura, num par de rimas extremamente extravagantes, ricas/raras, eu diria, até mesmo que única: "A gente acaso vendo-a "/ "De olhos cortados à feição de amêndoa."