* A HARMONIA ESTÉTICA DO PRETÉRITO IMPERFEITO
O que é a literatura brasileira hoje? Se formos avaliar pelo que é visível, pelo que ocupa destaque nos cadernos literários de grandes jornais e gôndolas das principais livrarias, diremos que é uma minúscula colônia de privilegiados nem sempre talentosos, mas apoiados numa fama pregressa ou artificial que nada tem a ver com o universo literário. Em torno disso, há um latifúndio de ideias bem expressas cravadas no centro de um cemitério de abortos intelectuais. No futuro, nossa literatura não será analisada pelo seu insignificante e óbvio miolo exposto sob os holofotes, mas pela periferia que trabalha arduamente contra todas as dificuldades para cultivar o verdadeiro significado da escrita como arte. Gustavo Araujo é um desses faróis à margem da literatura de dublês, há anos mantém um site onde escritores amadores treinam, de forma voluntária e gratuita, para alcançarem o grau de autores profissionais. Ajudam-se. O site Entre Contos assemelha-se a uma cooperativa de escritores. Ao mesmo tempo, enquanto cultiva talentos, Gustavo também constrói sua própria obra.
Não é muito fácil escrever sobre o trabalho de alguém que admiramos, sobra na consciência o peso de não falarmos com isenção, quando a isenção é o sinal de respeito ao artista. Talvez, por isso, eu tenha demorado a estar aqui comentando o livro Pretérito Imperfeito, do Gustavo Araujo. Para começar, é preciso dar destaque a editora Caligo, que abre espaço para novos talentos e produz volumes de extrema qualidade. Tem como gestora, segundo me consta, a competente Bia Machado.
Gustavo cita em seu posfácio que buscou inspiração, para os primeiros capítulos, no autor italiano Niccolò Ammaniti (Eu e você; Como Deus manda e A festa do século, títulos traduzidos em português e publicados pela Bertrand Brasil). No entanto, assim que iniciei a leitura de Pretérito Imperfeito, fui remetido a um livro de Viriato Correia, com edição de 1938, cujo título é Cazuza, um clássico nacional. É difícil dizer como funcionam essas correlações mentais, mas tanto Pretérito Imperfeito como Cazuza mergulham na atmosfera opressiva que permeia a liberdade criativa da infância, extraem dela quadros delicados e comoventes, em que momentos de absoluta catarse são inevitáveis.
Em tempos de “coachings” literários, Gustavo Araujo segue um caminho mais sensato na confecção de sua história, busca modelos e fontes em ícones como Érico Veríssimo e Fernando Morais. O resultado é um romance de estrutura irrepreensível, enxuto e com forte impacto sensorial. Personagens entrelaçados que seguem em paralelo numa narrativa de ritmo cativante. Pedro Vieira, Toninho e a reunião de cartas de Cecília são vozes que se alternam naquela harmonia perfeita que é capaz de criar um bom maestro. Toninho, a criança, é um personagem tão intensamente construído que, muitas vezes, parece que irá se materializar, de repente, numa das páginas. Em torno dele, segue a história do pai, Pedro Vieira, outro personagem primoroso. À margem, como se fosse o arranjo da música, as cartas de Cecília formam o diário que vai tecendo os nós e o arremate do enredo. Um bom romance é assim, é como Gustavo demonstra em seu livro, é tecer uma intrincada tapeçaria. É claro que há regras, princípios que norteiam a criação, mas a riqueza das cores, da textura, do convite aos olhos, isso é que diferencia a arte da produção comercial.
Pretérito Imperfeito é um tempo verbal que serve como título ao livro, mas em nenhum momento revela que o autor alcançou a perfeição no presente do indicativo. Não é um livro apenas para ser lido, é para ser saboreado em todos os seus aspectos, tanto pelos bons leitores como por escritores que buscam o caminho certo na literatura.
O que é a literatura brasileira hoje? Se formos avaliar pelo que é visível, pelo que ocupa destaque nos cadernos literários de grandes jornais e gôndolas das principais livrarias, diremos que é uma minúscula colônia de privilegiados nem sempre talentosos, mas apoiados numa fama pregressa ou artificial que nada tem a ver com o universo literário. Em torno disso, há um latifúndio de ideias bem expressas cravadas no centro de um cemitério de abortos intelectuais. No futuro, nossa literatura não será analisada pelo seu insignificante e óbvio miolo exposto sob os holofotes, mas pela periferia que trabalha arduamente contra todas as dificuldades para cultivar o verdadeiro significado da escrita como arte. Gustavo Araujo é um desses faróis à margem da literatura de dublês, há anos mantém um site onde escritores amadores treinam, de forma voluntária e gratuita, para alcançarem o grau de autores profissionais. Ajudam-se. O site Entre Contos assemelha-se a uma cooperativa de escritores. Ao mesmo tempo, enquanto cultiva talentos, Gustavo também constrói sua própria obra.
Não é muito fácil escrever sobre o trabalho de alguém que admiramos, sobra na consciência o peso de não falarmos com isenção, quando a isenção é o sinal de respeito ao artista. Talvez, por isso, eu tenha demorado a estar aqui comentando o livro Pretérito Imperfeito, do Gustavo Araujo. Para começar, é preciso dar destaque a editora Caligo, que abre espaço para novos talentos e produz volumes de extrema qualidade. Tem como gestora, segundo me consta, a competente Bia Machado.
Gustavo cita em seu posfácio que buscou inspiração, para os primeiros capítulos, no autor italiano Niccolò Ammaniti (Eu e você; Como Deus manda e A festa do século, títulos traduzidos em português e publicados pela Bertrand Brasil). No entanto, assim que iniciei a leitura de Pretérito Imperfeito, fui remetido a um livro de Viriato Correia, com edição de 1938, cujo título é Cazuza, um clássico nacional. É difícil dizer como funcionam essas correlações mentais, mas tanto Pretérito Imperfeito como Cazuza mergulham na atmosfera opressiva que permeia a liberdade criativa da infância, extraem dela quadros delicados e comoventes, em que momentos de absoluta catarse são inevitáveis.
Em tempos de “coachings” literários, Gustavo Araujo segue um caminho mais sensato na confecção de sua história, busca modelos e fontes em ícones como Érico Veríssimo e Fernando Morais. O resultado é um romance de estrutura irrepreensível, enxuto e com forte impacto sensorial. Personagens entrelaçados que seguem em paralelo numa narrativa de ritmo cativante. Pedro Vieira, Toninho e a reunião de cartas de Cecília são vozes que se alternam naquela harmonia perfeita que é capaz de criar um bom maestro. Toninho, a criança, é um personagem tão intensamente construído que, muitas vezes, parece que irá se materializar, de repente, numa das páginas. Em torno dele, segue a história do pai, Pedro Vieira, outro personagem primoroso. À margem, como se fosse o arranjo da música, as cartas de Cecília formam o diário que vai tecendo os nós e o arremate do enredo. Um bom romance é assim, é como Gustavo demonstra em seu livro, é tecer uma intrincada tapeçaria. É claro que há regras, princípios que norteiam a criação, mas a riqueza das cores, da textura, do convite aos olhos, isso é que diferencia a arte da produção comercial.
Pretérito Imperfeito é um tempo verbal que serve como título ao livro, mas em nenhum momento revela que o autor alcançou a perfeição no presente do indicativo. Não é um livro apenas para ser lido, é para ser saboreado em todos os seus aspectos, tanto pelos bons leitores como por escritores que buscam o caminho certo na literatura.